Em
seu excelente livro Duelos de Xadrez:
Minhas Partidas com os Campeões Mundiais,
o Grande Mestre norte-americano Yasser Seirawan narra várias histórias e
episódios interessantes, surgidas a partir de seu convívio com os jogadores que
alcançaram o topo do xadrez mundial.
A
obra traz várias histórias sobre Bobby Fischer, com quem Seirawan havia se
encontrado algumas vezes depois de Bobby ter se retirado das competições. Aliás,
o primeiro capítulo do livro é inteiramente dedicado a Fischer, de modo que os
fãs de Bobby não podem deixar de lê-lo de jeito nenhum.
Entre
os diversos episódios sobre a vida de Fischer contados no livro de Seirawan, o
relato a seguir foi sem dúvida o que mais me impactou. Resolvi, então,
reproduzi-lo aqui no blog, pois estou certo de que muitos admiradores do gênio
norte-americano não o conhecem. Vamos à transcrição do relato:
“Minha próxima história
sobre Bobby foi contada por Bessel Kok. Como pano de fundo para esta história,
vamos começar em Dubai durante a Olimpíada de Xadrez de 1986. O então Campeão
Mundial, Garry Kasparov, e Bessel Kok, presidente da Corporação SWIFT, com sede
em Bruxelas, decidiram fundar a Grandmasters Association (GMA), ou Associação
de Grandes Mestres.
Fui
convidado para ser um dos diretores fundadores – tarefa que aceitei com entusiasmo.
Em fevereiro de 1987, tivemos nossa primeira reunião de diretores, em Bruxelas,
e a GMA foi fundada. Os primeiros anos foram de considerável sucesso e a GMA
criou sua própria série de eventos da “Copa do mundo”. Muitos se referem ao período de 1987 a
1991 como a época de “ouro” para o xadrez. Bessel era presidente da GMA e meteu
na cabeça que gostaria muito que Bobby se associasse a GMA. (As taxas eram de
20 dólares por ano.) Ele convidou Bobby para visitar Bruxelas e, a seguir, esta
minha sinopse da história de Bessel:
‘Convidei
Bobby para vir a Bruxelas, onde nos encontraríamos e conversaríamos sobre a
possibilidade de ele se associar a GMA, além de falarmos a respeito dos
projetos de xadrez nos quais ele estivesse interessado. Bobby veio e ficou em
minha casa por volta de uma semana. Ele estava muito preocupado com a possibilidade
de ser reconhecido e de a imprensa fazer alarde. Por isso, mais ou menos por
medo de ser descoberto, ele basicamente ficava em casa, o que me deixou maluco,
pois eu queria sair e mostrar-lhe a cidade. Quando falávamos sobre a GMA e possíveis
projetos de xadrez, as conversas não davam em nada e nada iria acontecer.
‘De repente e surpreendentemente, bem no fim de sua estadia de uma semana, Bobby resolveu que queria ir a um bar, o que ele chamava de um “bar de garotas”. Por sorte, eu conhecia um. Fomos até lá e pedimos uma garrafa de champanhe cara. Sem problemas, eu estava feliz de estar fora de casa. Logo Bobby estava conversando com uma moça e eu com outra. Nós estávamos de costas um para o outro, mas eu prestava atenção na conversa que estava acontecendo atrás de mim.
‘De repente e surpreendentemente, bem no fim de sua estadia de uma semana, Bobby resolveu que queria ir a um bar, o que ele chamava de um “bar de garotas”. Por sorte, eu conhecia um. Fomos até lá e pedimos uma garrafa de champanhe cara. Sem problemas, eu estava feliz de estar fora de casa. Logo Bobby estava conversando com uma moça e eu com outra. Nós estávamos de costas um para o outro, mas eu prestava atenção na conversa que estava acontecendo atrás de mim.
‘Era
o tipo de conversa trivial que se tem nestas ocasiões, até que a mulher fez uma
pergunta de parar o coração: ‘Então, com o que você trabalha?’ Tenho certeza de
que o champanhe teve um efeito suavizante, mas eu senti Bobby empertigar-se e
endireitar as costas.
‘Eu
sou um Grande Mestre Internacional de Xadrez!’, Bobby disse sem rodeios. Fiquei
surpreso com sua admissão, mas a mulher respondeu com entusiasmo.
‘É
mesmo? Eu também jogo xadrez! Eu sei o nome de muitos Grandes Mestres. Qual é o
seu?’
‘Neste
momento, eu tive que interromper minha conversa para me virar e ouvir o que
estava acontecendo atrás de mim. Tinha se tornado muito interessante. Bobby
parecia genuinamente encantado com o fato de que a mulher sabia alguma coisa de
xadrez.
‘Bom,
meu nome é Robert James Fischer. Eu sou o Campeão Mundial de Xadrez!,’exclamou
Bobby, com um tom resoluto.
‘Ora
vamos’, disse a mulher. ‘Pare de fazer piadas. Você não é Bobby Fischer! Ontem tivemos
Dali, e agora é o Fischer’, disse ela fazendo beicinho. ‘Mas olha, pague-me
outra taça de champanhe e eu te chamarei de Bobby pelo resto da noite.’
‘Bobby
estava evidentemente chocado porque a mulher não acreditara nele, enquanto eu
ria sem parar. Bobby começou a vasculhar sua carteira e os bolsos do casaco tentando
encontrar algum documento que provasse sua identidade. Ele passara anos tentando
esconder sua identidade e, no momento em que desesperadamente queria provar quem
era, não podia. Mesmo quando tentei socorrê-lo dizendo: ‘Sim, este é realmente Bobby
Fischer’, recebemos ambos um olhar incrédulo. Foi uma das experiências mais engraçadas
de minha vida. Fischer não podia provar quem ele era’”.
(SEIRAWAN, Yasser.
Duelos de Xadrez: Minhas Partidas com os Campeões Mundiais. Porto Alegre: Penso,
2012. p. 37-38).
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