sábado, 30 de novembro de 2019

SEÇÃO MEMÓRIA


Há 5 anos, no dia 30/11/2014, ocorreu o encerramento de mais uma edição do Campeonato Paraibano de Xadrez, nos bons tempos em que a competição era aberta a todos os enxadristas do estado. 2014 foi um ano movimentado no xadrez paraibano, fato que acabou se refletindo na boa quantidade de participantes do Campeonato Estadual. O torneio foi disputado nas dependências da Escola Governador Leonel Brizola, localizada no bairro de Tambauzinho, em João Pessoa-PB. O evento contou com a presença de 40 jogadores, sendo 29 na categoria absoluto, da qual tive a satisfação de participar. O campeão absoluto, nos critérios de desempate, com 4 pontos em 5 possíveis, foi o MN Evandro Silva, de Campina Grande-PB. A campeã da categoria feminino foi a jovem Myllena Lustosa e o campeão da categoria sub-16 foi Téo Bonfim. Neste torneio consegui minha melhor colocação em campeonatos paraibanos, finalizando em 5º lugar, com 3,5 pontos, um resultado que me deixou bastante satisfeito, tendo em vista que estiveram presentes na competição alguns dos melhores enxadristas da Paraíba. Ao final da cerimônia de encerramento, os jogadores e visitantes puderam se confraternizar e degustar um coquetel oferecido pela direção da prova. Seguem algumas fotos do último dia de torneio.


Rebeca Barros 0 X 1 Téo Bonfim










Cerimônia de encerramento, conduzida por Petrov Baltar, Presidente da FPBX à época

Ivanilsom e Luciana, árbitros do torneio

Pódium da categoria Sub-16

Pódium da categoria feminino

Evandro Silva, Campeão absoluto

O editor deste blog recebendo a sua premiação pelo 5º lugar

Coquetel de encerramento


Classificação final do Campeonato Paraibano de Xadrez de 2014

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

VOCÊ SABIA?


Ontem publicamos mais uma matéria da série "Os reis sem coroa", dessa vez em homenagem ao GM  norte-americano de origem polonesa Samuel Reshevsky. Você sabia que o nome de batismo dele era Szmul Rzeszewiski? No 4º volume de sua obra Meus Grandes Predecessores, Kasparov explica que, ao chegar aos Estados Unidos em 1920, o menino-prodígio precisou modificar o seu sobrenome, simplificando-o para Reshevsky, pois ninguém conseguia pronunciar corretamente esse "nome de enrolar a língua", conforme narra Kasparov.
A foto abaixo mostra o momento em que o garoto Samuel, então com 11 anos, joga uma partida contra Charlie Chaplin, o gênio do cinema mudo.


Reshevsky vs. Chaplin - Nova Iorque, 1923

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

OS REIS SEM COROA - SAMUEL RESHEVSKY


Dando continuidade a nossa série "Os reis sem coroa", dedicada a homenagear os enxadristas mais fortes da história que não chegaram a se tornar campeões mundiais, hoje iremos trazer para o público um pequeno resumo sobre a trajetória do GM Samuel Reshevsky. E você, amigo(a) leitor(a), não perca as contas... até agora, em nossa série "Os reis sem coroa", já falamos a respeito de quatro titãs do tabuleiro: Tchigorin, Tarrasch, Pillsbury e Rubinstein. Reshevsky, portanto, é o 5º homenageado da série. Vamos a ele!


SAMUEL RESHEVSKY


Samuel Reshesky nasceu na Polônia, no dia 26 de novembro de 1911. Ele foi, provavelmente, a mais famosa criança-prodígio da história do xadrez. Algumas fontes afirmam que o pequeno Samuel aprendeu a jogar aos 3 anos (!!), mas outros autores, como Kasparov, dizem que ele aprendeu o xadrez aos 5 anos, apenas olhando os membros de sua família jogarem. A partir dos 6 anos, ele começou a realizar simultâneas contra 20 jogadores ou mais, o que causou um grande alvoroço. Os pais de Samuel, orgulhosos e surpresos com a precocidade do garoto, começaram a excursionar por toda a Europa, mostrando o talento do filho em exibições públicas. No ano de 1920, a família de Reshevsky emigrou para os Estados Unidos, onde fixaria residência. Depois de viajar por quase quatro anos, percorrendo várias cidades norte-americanas para dar exibições, Reshevsky teve que interromper sua carreira de criança prodígio para se dedicar aos estudos: parece mentira, mas até os 12 anos ele nunca havia pisado em uma escola! Ele só voltaria a competir em alto nível na década de 1930, quando retornou aos tabuleiros para se tornar um dos mais fortes jogadores do mundo!


O menino Reshevsky disputando uma simultânea


Durante os anos de 1935 a 1950, Samuel Reshevsky jogou em 14 grandes torneios e venceu metade deles. Nesse período, ele terminou abaixo do 3º lugar apenas uma vez, no fortíssimo torneio de AVRO (1938). Este registro é ainda mais notável se levarmos em consideração que Reshevsky não era um enxadrista profissional, já que exerceu a profissão de contador. O ápice da sua carreira ocorreu em 1948, quando Reshesky esteve entre os cinco aspirantes ao título mundial que disputaram o match-torneio organizado pela FIDE para determinar quem seria o sucessor de Alekhine, que havia morrido de posse do título. Infelizmente as coisas não foram bem para ele, que finalizou o torneio dividindo o 3º-4º lugar com Keres, com 10,5/20,0 pontos. A competição foi vencida pelo soviético Botvinnik, que se proclamou o 6º Campeão Mundial de xadrez. Mesmo após esse aparente fracasso, Reshevsky se manteria entre os melhores enxadristas do Ocidente por mais de duas décadas!


Samuel Reshevsky (1911-1992)
     

Outros dois acontecimentos marcantes da carreira de Reshevsky foram o match disputado contra o jovem Bobby Fischer em 1961, que terminou empatado após 11 jogos (duas vitórias para cada lado e mais sete empates), e o match da seleção da União Soviética contra a seleção do resto do mundo, disputado em Belgrado no ano de 1970, em que Reshevsky ocupou o 6º tabuleiro, tendo a oportunidade de enfrentar o formidável Smyslov. Reshevsky continuaria jogando em alto nível até a década de 1980, mas então, no dia 04 de abril de 1992, ele faleceu em Nova Iorque, aos 80 anos de idade. Como vimos fazendo até agora, concluiremos nossa homenagem a esse grande campeão do passado com uma de suas mais célebres partidas, na qual ele supera o ex-Campeão Mundial Capablanca no torneio de Margate (1935), vitória que valeu a Reshevsky o 1º lugar da competição: 



PENSAMENTO DO DIA


"A beleza dos lances do xadrez não reside na aparência, mas nos pensamentos que estão por trás deles" (Aaron Ninzowitsch).


Aaron Ninzowitsch (1886-1935)

terça-feira, 26 de novembro de 2019

ARTIGO DE XADREZ #2


Em nossa última publicação, desfizemos o mito que circula em livros e na internet, sobre a menção ao xadrez em uma suposta carta do filósofo Aristóteles ao seu pupilo Alexandre Magno. Na oportunidade, esclarecemos que os dois aludidos personagens históricos viveram em uma época bem anterior à invenção do xadrez, sendo, portanto, impossível que eles tivessem tido contato com o nobre jogo.




Pelo fato de ter falado a respeito da história do xadrez na publicação anterior e ter demonstrado o anacronismo existente no episódio da carta de Aristóteles, na postagem de hoje tentarei aprofundar o assunto, e para isso irei compartilhar com os leitores um artigo de minha autoria, intitulado "A importância do estudo da história do xadrez", publicado originalmente em maio de 2015 no antigo site do Clube de Xadrez On-line, que infelizmente teve seu conteúdo retirado da internet. Desejo a todos uma boa leitura!


Importância do estudo da história do xadrez


                                                                       Por Luiz Fábio Alves Jales
  

Há tempos venho alimentando a ideia de criar um blog ou uma página no Facebook para falar exclusivamente de xadrez. Mas não de qualquer aspecto do xadrez. Eu pretendo falar, mais especificamente, da maravilhosa história desse jogo plurissecular, isso porque sempre tive verdadeiro fascínio pela história em geral.

Esse fascínio constituiu a primeira motivação para a minha ideia de abordar, por meio de um espaço na internet, a história do xadrez. O segundo motivo que me levou a conceber tal projeto surgiu de uma constatação: após anos e anos de leituras e pesquisas, percebi que a maior parte dos blogs e sites brasileiros especializados em xadrez não dá à história do jogo a merecida atenção.

De fato, alguns desses canais privilegiam, em suas postagens, a cobertura de torneios nacionais e internacionais, divulgando fotos e informações relativas aos eventos. Em outros, predomina a abordagem teórica do jogo; esses apresentam conceitos teóricos e procuram ilustrá-los através de partidas comentadas, trazendo ao leitor, eventualmente, problemas e estudos artísticos. Há, por fim, os de natureza mais abrangente, que tratam da teoria, da cobertura de torneios, dos estudos e problemas, da venda de produtos etc., e ainda reservam algum espaço para a exposição de fatos e curiosidades enxadrísticas.
Temos de celebrar a existência desses sites e blogs de xadrez, que cumprem satisfatoriamente sua função de difundir o nosso esporte junto à população. Não obstante essas louváveis iniciativas de divulgar o xadrez em um país onde ele não tem tradição, sinto que nos falta um espaço voltado para o aprofundamento das noções de cunho histórico, destinado aos enxadristas interessados em obter tal conhecimento. Daí a minha ideia de criar esse espaço ainda inexistente, na tentativa de suprir a lacuna deixada pelos demais canais de divulgação da Arte de Caíssa.
Devo dizer que, desde que comecei a ler sobre xadrez, nos idos de 1996, passei a querer conhecer a fundo as origens do jogo, sua evolução, a biografia dos grandes jogadores, enfim, conhecer seu legado histórico. Até hoje a história do xadrez me atrai mais do que a teoria, e nesse ponto creio que sou diferente da maioria dos enxadristas. Sim, porque o desejo da maioria dos enxadristas é o de melhorar seu nível de jogo, e por isso eles se dedicam quase que somente ao estudo da teoria. Para se tornarem jogadores mais fortes, leem sobre aberturas, tática, estratégia, finais, analisam partidas de mestres, jogam contra programas de computador, dentre outras atividades. Dessa forma, eles se aprimoram no conhecimento da teoria do jogo, mas se esquecem que é importante adquirir também conhecimentos históricos, descuido que vem a ser ruim para eles e para o xadrez.
Como assim? É simples: quando um jogador ganha destaque como competidor ou como organizador de torneios de xadrez, ele acaba se tornando uma referência do esporte, em determinada localidade. A partir daí, poderá ser convidado a dar palestras sobre o xadrez ou a conceder entrevistas em programas de rádio e televisão, e, nessas ocasiões, certamente terá que responder perguntas relacionadas não só à teoria, mas também à história do xadrez. Nesse caso, se ele não possuir uma boa base de conhecimentos históricos, esse enxadrista de destaque vivenciará uma das seguintes situações constrangedoras: ou não saberá responder a pergunta, ou, o que é pior, a responderá de maneira equivocada, transmitindo ao público informações incorretas sobre o xadrez e, em ambos os casos, terá desempenhado mal o seu papel de divulgador do nosso querido esporte.
Além disso, o estudo da história do xadrez, quando realizado de modo consistente, confere ao jogador pesquisador certa erudição, distinguindo-o do jogador comum. É claro que, para muitos, a aquisição dessa erudição voltada para a história do xadrez parecerá inútil, sem relevância. Tal pensamento é compreensível e natural, afinal de contas estamos em um país ainda atrasado intelectualmente, em que uma parcela da população, não se contentando em viver na ignorância, chega a idolatrá-la. Porém, acredito que toda forma de conhecimento é válida, pois, tanto na vida acadêmica quanto na vida profissional, e mesmo na vida cotidiana, frequentemente nos deparamos com situações em que ter estudado faz a diferença. Nesse sentido, estou inteiramente de acordo com a afirmação do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626): “Conhecimento é poder”. Com efeito, o conhecimento, ao aumentar o potencial e as habilidades das pessoas, permite que elas façam coisas que não poderiam ser feitas sem ele (escrever este artigo, por exemplo, é uma delas).
O estudo aprofundado da história do “Jogo dos Reis” – outro nome pelo qual o xadrez é conhecido – pode nos livrar de algumas armadilhas, nas quais, por outro lado, caem facilmente aqueles que têm apenas um conhecimento superficial da matéria. Um exemplo simples costuma ocorrer quando se pergunta a um enxadrista onde surgiu o xadrez. Sem hesitar um segundo, como se estivesse diante de uma pergunta muito fácil, o enxadrista hipotético provavelmente responderá que o xadrez surgiu na Índia. Correto? Não, errado!!  A história nos mostra que o que surgiu na Índia foi o ancestral do xadrez, o chaturanga, palavra proveniente do idioma sânscrito e que significa “exército formado de quatro membros”, uma alusão as quatro divisões que formavam o exército indiano na antiguidade (elefantes, cavalos, carros e soldados a pé).
Fica claro então que o jogo que hoje conhecemos como xadrez não surgiu na Índia, pois ainda se passariam muitos séculos até que ele atingisse o estágio em que se encontra atualmente. Vejamos então um breve resumo desse percurso histórico: tendo se originado na Índia, o ancestral do xadrez (chaturanga) foi levado para a Pérsia, região onde hoje se localiza o Irã, sofrendo modificações em suas regras e transformando-se no chatrang, já mais parecido com o xadrez atual. Algumas centenas de anos mais tarde, quando os muçulmanos iniciaram sua expansão pelos continentes vizinhos, eles penetraram na Europa meridional através do norte da África, levando consigo o shatranj, palavra árabe usada para designar o jogo. Uma vez na Europa, o shatranj espalhou-se rapidamente, passando por novas mudanças, não só nos movimentos das peças, mas também no nome das mesmas. É assim que, por volta do ano de 1475, provavelmente na Espanha, nasce o xadrez moderno, produto de uma evolução em suas regras realizada com a contribuição de diversos povos, como nos explica David Shenk, em seu livro O jogo imortal:

Na realidade, o jogo não foi inventado de uma vez só, durante um acesso de inspiração de um único rei, general, filósofo ou mago da corte. Em vez disso, é quase certo ter sido (assim como a Bíblia e a internet) o resultado de anos de ajustes, por um grupo amplo e descentralizado; um trabalho lento realizado por uma inteligência coletiva” (Op. cit., 2007, p. 29).

Seja como for, o fato é que o xadrez é, na minha opinião, uma das maiores invenções da Humanidade, e sua história é tão rica, bela e fascinante como o jogo em si. Por essa razão, o enxadrista não se deve privar de conhecê-la; deve, ao invés de se limitar ao estudo da teoria, complementá-lo com o estudo da história, convertendo-se, dessa forma, em um jogador completo. Quanto à página que pretendo criar, tão logo esteja pronta irei divulgá-la entre os colegas enxadristas, e se eu conseguir que alguns deles passem a demonstrar mais interesse pelo aspecto histórico do xadrez, meu trabalho terá valido a pena.


REFERÊNCIAS


LASKER, Edward. História do xadrez. Tradução de Aydano Arruda. 2 ed. São Paulo: IBRASA, 1999.

SHENK, David. O jogo imortal: o que o xadrez nos revela sobre a guerra, a arte, a ciência e o cérebro humano. Tradução de Roberto Franco Valente. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

domingo, 24 de novembro de 2019

ARISTÓTELES E ALEXANDRE MAGNO JOGAVAM XADREZ?


Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.), ou simplesmente Aristóteles, foi um dos mais importantes e influentes filósofos da história. Ele era natural da Trácia (país da Antiguidade cujo território atualmente se divide entre Bulgária, Grécia e Turquia), mas viveu a maior parte de sua vida na Grécia, em um período em que a filosofia grega atingiu seu apogeu. Seus escritos abrangem diversos assuntos, desde a física até a poesia. Aristóteles teve muitos discípulos, e em 343 a.C. tornou-se o tutor do príncipe Alexandre da Macedônia, na época com 13 anos de idade, que viria a ser o mais célebre conquistador do mundo antigo, passando mais tarde a ser conhecido sob o epíteto de Alexandre Magno (ou Alexandre, o Grande). Mas qual seria a relação existente entre Aristóteles, Alexandre Magno e o xadrez? É isso o que buscaremos elucidar com esta postagem.


Aristóteles ensinando Alexandre, o Grande (gravura de Charles Laplante)


Há um texto que tem circulado em livros, sites e blogs de xadrez e grupos de xadrez no whatsapp, o qual veicula a seguinte informação:

"Em 1950 foi achado o manuscrito árabe de Sarajevo, cópia - ao que parece - de um texto do ano 897. O manuscrito insinua que Aristóteles teria aconselhado seu discípulo, Alexandre Magno, nos seguintes termos: 'Vejo que viajas constantemente. Quando estiveres só, quanto te sentires um estrangeiro no mundo, joga xadrez. Este jogo erguerá teu espírito e será teu conselheiro na guerra'".

Belo conselho, não acham amigo(a)s? Belo, porém falso! Podemos afirmar com toda a certeza que nem Aristóteles nem seu pupilo Alexandre Magno jamais conheceram o xadrez, por uma razão muito simples: eles viveram no século IV a.C., e nessa época nem sequer o chaturanga, o ancestral do xadrez moderno, havia sido inventado ainda! Fontes históricas confiáveis nos indicam que o chaturanga foi inventado na Índia por volta do século VI d.C., e que o xadrez moderno surgiu na Europa, no final do século XV. Assim sendo, é impossível que o jogo tenha sido conhecido na Grécia Antiga. Portanto, o suposto conselho de Aristóteles em relação ao xadrez constitui um caso claro de anacronismo.*


* AnacronismoErro de cronologia que geralmente consiste em atribuir a uma época ou a um personagem ideias e sentimentos que são de outra época, ou em representar, nas obras de arte, costumes e objetos de uma época a que não pertencem.

sábado, 23 de novembro de 2019

O DUPLO SACRIFÍCIO DE TORRES


Finalizando a nossa série sobre sacrifícios no xadrez, hoje iremos falar a respeito do duplo sacrifício de torres, que é considerado o mais belo e difícil de todos, e por isso mesmo é também o mais raro. Como eu já havia dito anteriormente, o sacrifício de dama costuma causar grande impacto e deleite aos entusiastas do xadrez, por ser a dama a peça mais forte do jogo. No entanto, o sacrifício do par de torres constitui uma manobra ainda mais impactante, pois, ao contrário de apenas uma, são sacrificadas duas peças, o que torna a execução desse sacrifício bem mais complexa, exigindo do seu autor um cálculo preciso. Além disso, se levarmos em consideração que as duas torres valem mais do que uma dama, estaríamos então diante de um sacrifício mais arriscado, porque a oferta de material é maior. 

Deparei-me pela primeira vez com esse espetacular sacrifício ao ler o livro Xadrez Básico, o maior clássico da literatura enxadrística brasileira. No capítulo terceiro, destinado ao estudo dos "Elementos de combinação", o MN Orfeu Gilberto D'Agostini aborda o sacrifício das duas torres, apresentando quatro exemplos para ilustrar o tema, dos quais iremos mostrar apenas um, para não tornar a postagem muito extensa. Ao introduzir o tema, D'Agostini escreve em seu livro:

"Há, em xadrez, uma manobra interessante, que tem por base a entrega de ambas as Torres, com o objetivo de distrair as principais peças do adversário, permitindo ganhar tempo e realizar um ataque decisivo contra o Rei inimigo. 
Geralmente, essa manobra se inicia com a entrega do PCD". 

Um dos diagramas mostrados no livro de D'Agostini é este que reproduzimos abaixo:


Euwe vs. Réti - Amsterdã (1920)
  

A posição do diagrama foi retirada de uma partida jogada entre Max Euwe, à época com 19 anos de idade, e o formidável mestre Richard Réti, que estava no auge de sua força criativa. Tanto é assim que ele nos brindou com essa sensacional combinação, entregando as duas torres a Euwe, a fim de criar uma posição de mate. Como vemos, os dois contendores dão início a um embate feroz, ainda em plena abertura. Obviamente a posição das brancas é superior, pois elas têm vantagem em desenvolvimento e seu rei está mais seguro que o rei das negras, que está exposto. Porém, quando tudo parece perdido, Richard Réti, um autêntico artista do tabuleiro, lança mão da manobra do duplo sacrifício de torres, confundindo seu jovem e inexperiente adversário:  14... Bd6! 15. Dxh8 Dxg5 (Ameaçando agora Bh3, armando o mate e atacando a dama branca com a torre restante) 16. f4 Dh4 (Se as pretas tomam o peão, seguiria Tf1, cravando a dama) 17. Txe4 Bh3! (Entregando a outra torre!) 18. Dxa8 Bc5+ 19. Rh1 (Se 19. Tdd4, segue: 19... Bxd4+ Txd4 20. De1#) 19... Bxg2+ 20. Rxg2 Dg4+ A essa altura, o mestre holandês abandonou, uma vez que há xeque-mate inevitável: 21. Rf1 Df3+ 22. Re1 Df2 mate.

Genial, concordam? Graças a uma fraca defesa por parte de Euwe, certamente desnorteado com o duplo sacrifício das torres, Reti obteve uma brilhante vitória nessa partida (para ver a partida completa, clique aqui: https://www.chessgames.com/perl/chessgame?gid=1041899). Por fim, vale lembrar que, no ano de 2010, o  jogador e escritor paulista Luiz Roberto da Costa Júnior lançou um livro sobre esse raro sacrifício, intitulado O sacrifício das duas torres no xadrez, pela editora Ciência Moderna (foto).