segunda-feira, 31 de agosto de 2020

SEÇÃO PARTIDAS GENIAIS

 

Para fechar o mês de agosto com "chave de ouro", vamos publicar mais uma postagem da Seção Partidas Geniais. Esta partida foi disputada no século XIX, e certamente é a miniatura mais conhecida da literatura enxadrística, sendo apontada, com todo o mérito, como uma das mais belas da história do xadrez. Ela é tão importante que até ganhou um título pomposo: "Joia de Primeira Água". Segundo escreve Orfeu Gilberto D'Agostini em seu bestseller Xadrez Básico, obra de onde extraímos os comentários expostos mais adiante, essa partida, "jogada em 1858, no camarote real da Ópera de Paris, durante um intervalo da ópera 'O Barbeiro de Sevilha', por Paul Morphy contra o Duque Karl de Brunswick e o Conde Isouard, é um exemplo clássico de desenvolvimento rápido e do aproveitamento de uma coluna aberta". Nessa autêntica obra de arte, o gênio norte-americano Morphy nos dá uma demonstração de sua esplêndida visão combinatória e do seu entendimento estratégico superior. Vamos lá!


Paul Morphy (1837-1884)



domingo, 30 de agosto de 2020

DICAS SOBRE A TROCA DE PEÇAS

 

A troca é sem dúvida uma das operações estratégicas de maior importância no xadrez. Saber quando se deve conservar uma peça no tabuleiro, ou quando é preferível trocá-la por uma peça adversária, é um conhecimento que pode fazer a diferença para o êxito - ou o fracasso - de um plano de jogo. Uma simples troca pode ajudar o jogador a atingir vários objetivos, mas como saber quando deveremos trocar ou não? É essa pergunta que tentaremos responder com a presente postagem. 

De acordo com os compêndios de estratégia enxadrística, como regra geral, a troca só é indicada nos seguintes casos:

1. Quando o adversário detém a iniciativa;

2. Quando você estiver em uma posição restringida, com pouco espaço para manobrar as suas peças;

3. Para enfraquecer a estrutura de peões do oponente;

4. Para explorar uma vantagem material;

5. Para trocar uma peça passiva por uma peça ativa do adversário;

6. Para simplificar a posição e conseguir um final mais favorável;

7. Para eliminar um defensor importante do lado contrário;

8. Quando você estiver sendo atacado, para tentar reduzir o potencial de ataque do adversário (nesses casos, é particularmente útil trocar a dama).

Buscaremos ilustrar uma dessas situações por meio do diagrama a seguir: 

 


 

No diagrama acima, as brancas possuem uma ligeira vantagem, por causa da sua superioridade de espaço. As negras estão em uma posição inferior, pois os seus peões centrais fiscalizam apenas casas do seu próprio território, e o bispo de c8 está fora de jogo, sem desenvolvimento. Cabendo o lance às negras, elas devem procurar as trocas para tentar aliviar sua posição restringida, portanto o lance mais indicado é 1. ... Cxc3. Por outro lado, se o lance couber às brancas, recomenda-se evitar as trocas, para não deixar que o adversário liberte sua posição, de modo que o lance mais indicado é 1. Ce4, mantendo a vantagem. Lembrem-se: estejam sempre atentos para buscar as trocas vantajosas e evitar as trocas desnecessárias!

 

sábado, 29 de agosto de 2020

SEÇÃO BATE & REBATE #4

 

Prezado(a)s amigo(a)s enxadristas, como temos feito todo sábado, hoje iremos publicar mais uma entrevista da Seção Bate & Rebate, desta vez a de número quatro. A entrevistada de hoje é a bela enxadrista mato-grossense Ana Vitória Rothebarth. Nosso colaborador Joaquim Virgolino conheceu Ana Vitória por meio do velho e saudoso xadrez postal, os dois disputaram uma partida dessa modalidade e desde então se tornaram colegas. Antes de passarmos à entrevista, vamos reproduzir aqui um breve resumo sobre o perfil profissional e enxadrístico dessa talentosa jogadora, retirado do site do Projeto Damas em Ação - Rumo à Maestria:

Cuiabana, residente em São Paulo, 26 anos*. Engenheira sanitarista e ambiental com pós-graduação em administração industrial. Atleta, árbitra auxiliar, instrutora FIDE e organizadora de eventos.

BREVE HISTÓRICO

Em 2006 foi campeã do brasileiro escolar na categoria até 8ª série. Esteve no pódio nos cinco anos em que disputou os Jogos Escolares Brasileiros/Olimpíadas Escolares, tendo conquistado ouro em 2008. Representou o Brasil nos Jogos Sul-Americanos, onde conquistou medalha de ouro de melhor tabuleiro. Foi bicampeã do Pan-Americano de Xadrez Escolar, categoria de 13 a 15 anos e de 15 a 17 anos. Competindo na categoria absoluto em Mato Grosso, aos 15 anos se tornou campeã. Em 2010 se consagrou vice-campeã brasileira e campeã universitária. Representou o Brasil no 12º e 13º Mundial Universitário e na 26ª e 27ª Universíade. Há anos se mantem entre as 10 melhores enxadristas do país, de acordo com o ranking internacional.

Como de praxe, agradecemos ao amigo Joaquim por ter realizado a entrevista, e à enxadrista Ana Vitória pela sua gentileza e disponibilidade em participar da nossa Seção Bate & Rebate.

 

* Atualmente, Ana Vitória Rothebarth tem 28 anos de idade.




NOME: Ana Vitória de Paula Rothebarth

IDADE: 28 anos

PROFISSÃO: Engenheira

CIDADE NATAL: Cuiabá-MT

 

01 - Qual é a sua cor favorita? R.: Azul.

02 - Comida de que mais gosta? R.: Ventrecha de pacu frita.

03 - Bebida preferida? R.: Cajuína.

04 - Um filme inesquecível? R.: O quinto elemento.

05 - Qual o livro de xadrez mais interessante que você já leu? R.: Endgame virtuoso, de Anatoly Karpov.

 



06 - Uma música que marcou vida? R.: Maria Maria, de Milton Nascimento.

Obs.: Conheça a música escolhida pela entrevistada assistindo ao vídeo a seguir:


07. Qual o seu maior medo? R.: Medo de altura.

08. Um sonho? R.: Ter uma casa com jardim, plantas, frutas etc.

09. Quais as três pessoas que você adoraria convidar para jantar? R.: Meu nono (pai da minha mãe), minha nona (mãe da minha mãe) e minha mãe.

10. Uma partida ou lance inesquecível de alguma lenda do xadrez? Partida Spassky x Bronstein (URSS -1960).

 


 

11. Quem é o seu jogador de xadrez favorito? R.: Magnus Carlsen, como referência atual.

12. Seu maior defeito? R.: Ser teimosa (risos).

13. Uma atriz ou ator? R.: Cláudia Raia.

14. Estilo musical preferido? R.: MPB.

15. Eu não tiro o chapéu para... R.: Machismo.


 

16. Qual ensinamento ou princípio do xadrez é útil na sua vida cotidiana? R.: Pensamento profilático, prever situações, momento de atuação.

17. O que você salvaria da sua casa se ela estivesse pegando fogo? (Apenas duas coisas) R.: Meu cachorro e meu namorado (risos).

18. O que você aprecia em uma pessoa? R.: Sinceridade.

19. Existe alguma coisa que você gostaria de aprender? R.: Yoga.

20. Ana Vitória por Ana Vitória: R.: Determinada a fazer o melhor de si.

 


 

E assim, amigo(a)s, chegamos ao final de mais uma entrevista. Esperamos que vocês tenham gostado de conhecer um pouco melhor a vida e a carreira da atuante enxadrista Ana Vitória Rothebarth. Sábado que vem traremos mais uma matéria da Seção Bate & Rebate, desta vez com a participação de um Grande Mestre! Quem será ele?? Vale a pena esperar até lá para conferir... um abraço a todo(a)s!

 

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

O PROBLEMA DAS 8 DAMAS

 

Um interessante problema no xadrez consiste na possibilidade de colocar 8 damas sobre o tabuleiro, sem que nenhuma ataque a outra. O autor argentino (naturalizado brasileiro) Idel Becker, em sua magnífica obra Manual de Xadrez (1ª edição - 1990), registra que "há 12 soluções fundamentais que resolvem a questão; delas se derivam (virando o tabuleiro) mais 92 modos de solucionar o problema". Em seguida, Becker apresenta duas dessas 12 soluções, estando a primeira delas mostrada no diagrama abaixo:

 

 

O referido autor conclui sua exposição desafiando os leitores do seu livro a encontrar as outras posições possíveis para solucionar o problema, desafio que repasso aos leitores aqui do blog... boa sorte, amigo(a)s!
 

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

SEÇÃO XADREZ NAS ARTES

 

Nas postagens da Seção Xadrez nas Artes, já falamos a respeito de representações do xadrez na literatura, na pintura e na música. Hoje iremos apresentar uma representação do jogo-arte-ciência na chamada "sétima arte", isto é, no cinema. Ao longo de décadas, foram produzidos vários filmes que tinham como temática principal o xadrez. Um dos mais conhecidos é o longa-metragem Searching for Bobby Fischer, lançado nos Estados Unidos em 1993, e que no Brasil ganhou o título de "Lances Inocentes". 

 

Cartaz do filme "Lances Inocentes"

 

O filme, do gênero drama, foi dirigido por Steve Zaillian, e tem seu roteiro baseado em um livro autobiográfico escrito por Fred Waitzkin. Fred é pai de Joshua Waitzkin, um menino dotado de grande talento para o xadrez, cujo ídolo é o famoso enxadrista estadunidense Bobby Fischer (daí o título original do filme). A história, portanto, é real, e o filme não procura romanceá-la: ele retrata o momento em que Josh (interpretado pelo ator Max Pomeranc), então com 7 anos, tem sua paixão despertada pelo xadrez. A princípio o seu pai, um jornalista esportivo (Joe Mantegna), não dá muita atenção aos dotes enxadrísticos do filho, mas, quando enfim se dá conta disso, fica dividido entre enquadrar o garoto na "vida normal" ou incentivá-lo a se tornar um campeão. 

O filme mostra como o pai de Josh contrata um professor de xadrez (Ben Kingsley) para ajudar o menino a desenvolver suas potencialidades, e como esse professor tenta impor uma disciplina rigorosa de estudo a uma criança que encara o xadrez como uma diversão, assim como faria qualquer outra criança normal. Josh obtém muito mais satisfação com as partidas "blitz" que ele às vezes joga no Central Park em Nova Iorque, do que com a rígida teoria que seu professor se empenha em inculcar-lhe. Eis que daí surge o primeiro dilema com o qual todo praticante da Arte de Caíssa se depara: é preferível o jogo de ataque, espetacular e arriscado, que se pratica em uma partida rápida e motivado pelo simples prazer de jogar, ou a tática mais elaborada e refletida que ensinam os especialistas, direcionada à competição e ao alcance de bons resultados? O filme ilustra maravilhosamente essa luta entre concepções distintas.

 

O ator mirim Max Pomeranc no papel de Josh Waitzkin
 

 
Steve Zaillian tem o mérito de fazer com que as partidas de xadrez resultem cinematográficas, filmando-as de bem perto, com muito dinamismo. Além disso, o retrato do mundo do xadrez que o filme esboça é convincente, sobretudo a histeria dos pais, que vivem, por delegação, as façanhas dos seus filhos, e parecem, em certos momentos, mais agressivos e competitivos que eles! Por fim, esta obra ilustra a viva esperança que tinham os enxadristas norte-americanos de encontrar algum dia um outro campeão da envergadura de Bobby Fischer. É lamentável que Searching for Bobby Fischer, uma crônica sutil da aprendizagem do xadrez, interpretada por atores de grande talento - Joe Mantegna, Ben Kingsley, Lawrence Fishburne e o jovem Max Pomeranc - não haja tido uma maior difusão. Sobre a pessoa que inspirou o personagem principal do filme, Joshua Waitzkin, ele ganhou oito títulos nacionais em competições escolares, se tornou Mestre Nacional aos 13 anos e Mestre Internacional aos 16, e hoje, aos 43 anos, atua profissionalmente como artista marcial e escritor, de acordo com informações disponíveis no site Wikipédia.

 

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

FPBX ANUNCIA CANCELAMENTO DO MEMORIAL BOBBY FISCHER

 

Prezado(a)s enxadristas, informamos que a Federação Paraibana de Xadrez (FPBX) acaba de publicar uma nota, por meio do blog Reino de Caíssa, através da qual anuncia o cancelamento do XI Memorial Bobby Fischer, que havia sido adiado para o mês de novembro. Confira a nota na íntegra clicando aqui.

 

terça-feira, 25 de agosto de 2020

VOCÊ SABIA?

 

A peça que hoje conhecemos como dama (ou rainha) evoluiu do vizir, peça presente no antigo chaturanga, o "avô" indiano do xadrez. O vizir era uma espécie de primeiro ministro dos reis orientais, e originalmente possuía pouco valor, por causa da sua pequena mobilidade. Essa peça só era mais forte do que os peões, já que o seu movimento se limitava a uma única casa em diagonal, a cada lance. Isso mudaria em 1475, ano que marca o nascimento do xadrez moderno, quando foram introduzidas algumas mudanças importantes no jogo. Uma dessas mudanças foi que o vizir, além de ter seu nome alterado para dama, ganhou grandes poderes, vindo a combinar os movimentos da torre e do bispo. Segundo o GM Yasser Seirawan, "na Itália os novos poderes da Dama impressionaram tanto que ela passou a ser chamada rabioso, que significa furiosa". O MF James Eade, por sua vez, declara que "se essa concessão foi um ato de cavalheirismo ou simplesmente outra tentativa de acelerar o desenvolvimento do jogo, ainda não se sabe. O que é certo, no entanto, é que a Europa medieval estava acostumada a rainhas poderosas - e essa realidade também pode explicar a alteração de sexo". O fato é que a introdução da dama contribuiu para abreviar a duração das partidas, graças ao alto poder ofensivo dessa peça, e também serviu para deixar o xadrez muito mais emocionante!

 

 

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

A ESCOLA DE XADREZ DE MIKHAIL BOTVINNIK

 

Neste texto, publicado no site do GM Rafael Leitão, o enxadrista n.º 1 do ranking brasileiro defende a premissa de que ter sido treinado por Botvinnik fez toda a diferença para que Kasparov chegasse aonde ele chegou. Antes de partirem para a leitura do texto, confiram o comentário que o GM Leitão publicou no seu perfil do Facebook: "Que diferença faz treinar um enxadrista talentoso desde o começo, com o método certo, mostrando como é difícil chegar no topo. Imagina a diferença que fez para Kasparov treinar constantemente com Botvinnik desde cedo. Eu afirmo: não haveria Kasparov (não como nós o conhecemos hoje) sem Botvinnik. Alguém aí concorda?" Quem sou eu para discordar, amigo Leitão!! Vamos ao texto!


A ESCOLA DE XADREZ DE MIKHAIL BOTVINNIK*

 

Mikhail Botvinnik dominou o xadrez mundial entre 1948 e 1963, com algumas pequenas interrupções durante os curtos reinados de Smyslov e Tal. A forma profissional com que encarava o jogo foi o grande trunfo deste brilhante enxadrista. Como se não bastasse manter-se no topo por mais de uma década, Botvinnik seguiu contribuindo mesmo após perder definitivamente o título. Por meio da sua escola da xadrez, transferiu os seus conhecimentos para os prodígios soviéticos, tornando-se o Patriarca do xadrez para a nação que dominou os tabuleiros na segunda metade do século XX.

 

Botvinnik treinando o garoto Kasparov
 

A Primeira Fase da Escola

No mesmo ano em que foi derrotado para Tigran Petrosian (1963), Botvinnik criou sua escola. Porém, o projeto não durou muito nessa primeira fase: apenas 18 meses. De todo modo, entre os alunos desse período estavam Karpov, Balashov, Razuzaev, Timoshchenko e Rashkovsky.

A Retomada e a Metodologia de Ensino

A escola retornou às atividades em 1969 e, em meados dos anos setenta, os alunos começaram a ter destaque. A escola funcionava da seguinte maneira: três vezes ao ano, vinte jogadores de ambos os sexos, das mais diversas cidades da União Soviética, se reuniam durante sessões de treinamento por 10 dias.

As aulas de Botvinnik seguiam a seguinte metodologia: o campeão analisava em grupo a partida de um dos alunos. Os alunos também jogavam partidas amistosas que eram analisadas por todos. E, após as análises, se estabelecia um diagnóstico final, prescrevendo-se uma espécie de tratamento para os erros dos alunos.

Botvinnik também falava sobre o seu trabalho extra-aulas, sobre seu êxito nos estudos, da importância de praticar esportes, contava histórias dos torneios e do seu trabalho pessoal no xadrez, com valiosos segredos profissionais da preparação para competições. E, por fim, mostrava quatro partidas próprias.

Sem dúvida o campeão se entregava de corpo e alma à preparação dos jovens talentos. Não impunha um estilo aos seus alunos e fazia todo o possível para que os jovens descobrissem o próprio caminho.

Com Kasparov, por exemplo, ao perceber a tendência do jovem Garry para um xadrez dinâmico e de ataque, recomendou nas lições de casa uma análise minuciosa das partidas de Alekhine.

Botvinnik dava várias aulas e analisava muito, mas também é preciso mencionar os méritos do seu grande assistente: o lendário treinador Mark Dvoretsky.

O Aluno Preferido

No verão de 1973, o mestre e treinador Alexander Nikitin conseguiu dois convites na Escola de Botvinnik para dois dos seus melhores alunos: Borya Taborov (12 anos) e Garry Kasparov (10 anos).

Ambos foram convocados para uma entrevista seletiva com o próprio Botvinnik. O campeão mundial interrogou os jovens enxadristas durante um par de horas com perguntas do tipo: “Analisa suas próprias partidas?”, “Pratica algum esporte?”.

Os garotos também mostraram suas melhores partidas e falaram um pouco da própria vida. Por alguma razão, Botvinnik escolheu apenas um dos meninos. Borya Taborov já era um candidato a mestre e suas partidas eram mais consistentes que as de Kasparov.

No entanto, Garry que foi admitido na escola. Sem dúvida um acontecimento simples que marcou a história do xadrez. Taborov se converteu no mestre mais jovem do país e jogou durante mais uns anos, porém acabou deixando o xadrez para estudar ciências em um instituto respeitável.

A partir de então, Garry Kasparov tornou-se o aluno preferido da escola. Em geral, o campeão mundial se reunia com os demais apenas nas sessões de treinamento, enquanto com Garry manteve encontros regulares durante 14 anos entre 1973 e 1987.

 

O jovem Kasparov ao lado do seu mestre Botvinnik
 

A Última Fase da Escola de Botvinnik

A Escola de Botvinnik fechou mais uma vez no final de década de 1970. Após alguns anos de intervalo, ela foi reaberta em 1986, agora com um novo mentor: Garry Kasparov.

Nesse momento, Botvinnik tinha 75 anos e apoiou jovens prodígios como Kramnik e Shirov. O campeão adorava recordar seus jogos. Quando perguntava para um dos jovens sobre uma de suas partidas, caso o prodígio não a conhecesse, Botvinnik interrompia a explicação anterior e mostrava a tal partida.

Apesar de estar nos anos 1980, o início da era dos computadores, a sua influência ainda era colossal. Nestas sessões, o já campeão mundial Kasparov também deu aulas e jogou simultâneas contra os alunos.

Contudo, a parceria Botvinnik-Kasparov foi deteriorando com o passar dos anos. Enquanto Botvinnik era um fervoroso defensor do comunismo e da FIDE, Kasparov já mostrava as suas inclinações contra a federação internacional e também contra o regime.  Contudo, a escola durou até o início dos anos 1990. Botvinnik faleceu em maio de 1995, aos 83 anos e 9 meses.

Sobre a escola de Botvinnik, Garry afirma que “um contato desse tipo com uma lenda viva do xadrez deixa qualquer um marcado, ampliando gradualmente e aprofundando sua própria visão do xadrez. Sinto por aqueles alunos que não entenderam isso”.

 

 * Texto de autoria do MF William Ferreira da Cruz.

 

PENSAMENTO DO DIA

 

"Não consigo pensar que um jogador que ama genuinamente o jogo possa sentir prazer apenas com o número de pontos marcados, não importa quão impressionante seja o total. Não vou falar de mim, mas para os mestres da geração mais velha, de cujos jogos aprendemos, o lado estético era o mais importante" (GM Alexander Kotov). 

 

GM Alexander Kotov (1913-1981)
 

domingo, 23 de agosto de 2020

SOLUÇÃO DO EXERCÍCIO #7

 

Conforme combinado, vamos trazer aos leitores a solução do exercício #7, cuja posição crítica é mostrada no diagrama abaixo:

 

Hort vs. Byrne (1962) - As brancas jogam e ganham
 

 

Na resolução desse exercício, à primeira vista somos tentados a pensar em algum sacrifício mirabolante, de cavalo ou mesmo de dama, para tentar desfechar o xeque-mate ao rei negro. No entanto, este não é o caso aqui. O plano vencedor consiste simplesmente em desalojar o cavalo de f6, que está defendendo o mate em h7. Vejamos como as brancas conseguem isso:

1. Cxc6! O cavalo branco de d4 é sacrificado para permitir o acesso do outro cavalo à casa d5.

1. ... Cxd3+  No caso de: 1. ... Cxc6 2. Cd5 Da5+ 3. b4 ganhando.

2. Rd2 De8 3. Cd5, e as pretas não dispõem de meios para evitar o mate.

3. ... De5 4. Cxe5 Cxe5 5. Cxf6 Cxf3+ 6. Rd1 Bxg4 7. Dxh7 mate.

OBS.: Na partida real o xeque-mate não ocorreu, porque o jogador de negras (Robert Byrne) abandonou logo depois do lance 18. Rd2. Parabéns ao nosso amigo Eduardo, que encontrou a ideia vencedora!


TARTAKOWER E OS CAMPEÕES DO MUNDO

 

Certa vez, perguntaram a Savielly Tartakower quem era, na sua opinião, o melhor enxadrista de todos os tempos. Tartakower respondeu do seguinte modo: "Se considerarmos o xadrez como ciência: Capablanca. Se considerarmos o xadrez como arte: Alekhine. Se considerarmos o xadrez como luta: Lasker".

Essa perspicaz resposta de Tartakower evidencia a natureza multifacetada do xadrez, que abrange simultaneamente, como sabemos, o aspecto científico, o aspecto artístico e o aspecto esportivo. Obviamente, ele não conheceu Fischer nem Kasparov, gênios posteriores à sua época e que merecem estar incluídos entre os melhores de todos os tempos.

 

 

sábado, 22 de agosto de 2020

SEÇÃO BATE & REBATE #3

 

Caro(a)s amigo(a)s, é chegado o momento de apresentarmos mais uma entrevista realizada pelo colaborador Joaquim Virgolino para a nossa recém-criada Seção Bate & Rebate. Nossa intenção é publicar a cada semana uma nova entrevista no formato "pingue-pongue", sempre aos sábados. E para essa terceira entrevista nossa convidada é uma das enxadristas mais talentosas e carismáticas do cenário enxadrístico brasileiro: a Mestra Nacional Thauane de Medeiros. Thauane é um grande exemplo de garra e determinação na busca pela concretização dos seus objetivos, pois superou várias dificuldades e obstáculos para conseguir se consolidar como uma profissional do xadrez. Torcedora fanática do Grêmio, ela tem uma história de vida inspiradora: nascida no Rio Grande do Sul e criada em Santa Catarina, saiu de casa ainda adolescente para tentar a sorte em São Paulo, e lá precisou batalhar arduamente para conquistar seu espaço e fazer do xadrez o seu meio de vida, ao mesmo tempo em que procurava aprimorar suas habilidades técnicas. No seu currículo, ela coleciona inúmeras vitórias em torneios nacionais, bem como títulos importantes (Thauane é campeã brasileira sub-18 e sub-20) e participações em torneios internacionais e em Olimpíadas de Xadrez. Além disso, ela é membro do Projeto Damas em Ação - Rumo à Maestria, e já participou de várias ações de divulgação do nosso querido esporte. Em 2011, Thauane enfrentou em uma simultânea o maior ícone da história do xadrez, o ex-campeão mundial Garry Kasparov, e em 2013 foi entrevistada no Programa do Jô Soares, tornando-se conhecida em todo o país. Atualmente, Thauane dá aulas particulares de xadrez e também comercializa material esportivo através da sua loja virtual X&P Esportes (https://www.xpesportes.com.br/), além de possuir um canal no You Tube (https://www.youtube.com/channel/UC5z6NTpaSPFqM1-FLWaaiUA). Agradecemos a Thauane pela gentileza e disponibilidade em conceder esta entrevista para o blog Batalha de Mentes, e ao amigo Joaquim Virgolino por viabilizar a entrevista. Vamos lá!

 

 


NOME: Thauane Ferreira de Medeiros

IDADE: 26 anos

PROFISSÃO: Enxadrista profissional

CIDADE NATAL: Santa Maria-RS

 

01 - Qual é a sua cor favorita? R.: Azul.

02 - Comida de que mais gosta? R.: Lasanha.

03 - Bebida preferida? R.: Suco de laranja.

04 - Um filme inesquecível? R.: Constantine.

05 - Uma música que marcou vida? R.: Não tem.

 

 

06. Qual o seu maior medo? R.: Morrer cedo.

07. Um sonho? R.: Conhecer Las Vegas... mas tenho vários! (risos)

08. Quais as três pessoas que você adoraria convidar para jantar? R.: Meu avô Sebastião (falecido), mamãe e papai.

09. Uma partida ou lance inesquecível de alguma lenda do xadrez? A minha partida contra Kasparov, com certeza. 

10. Quem é o seu jogador de xadrez favorito? R.: Kasparov.

 

 

11. Seu maior defeito? R.: Sou teimosa.

12. Uma atriz ou ator? R.: Keanu Reeves.

13. Estilo musical preferido? R.: Pop Rock.

14. Eu não tiro o chapéu para... R.: Lula.

15. Qual ensinamento ou princípio do xadrez é útil na sua vida cotidiana? R.: O xadrez me ajudou muito a desenvolver a memória.

 

 

16. O que você salvaria da sua casa se ela estivesse pegando fogo? (Apenas duas coisas) R.: Meu gatinho e algumas xícaras que ganhei de presente.

17. O que você aprecia em uma pessoa? R.: Ser romântica.

18. Existe alguma coisa que você gostaria de aprender? R.: Sim, a falar inglês.

19. Qual o seu hobby? R.: Assistir filmes e séries.

20. Que animal você seria? R.: Eu seria um cachorro (risos).

21. Thauane Medeiros por Thauane Medeiros: R.: Uns falam que eu sou boa, outros dizem quem eu não presto. O importante não é ser famoso e sim ser honesto.

 

 

 

Amigo(a)s, esperamos que vocês tenham gostado da entrevista com a nossa simpática Thauane de Medeiros. Se quiserem conhecer um pouco mais a respeito da vida e da carreira dessa jogadora talentosa e de grande potencial, deixo aqui o link para uma entrevista mais longa, que ela concedeu ao canal do Prof. Gérson Peres Batista, do Clube de Xadrez On-Line (veja aqui). Sábado que vem tem mais uma publicação da Seção Bate & Rebate, até lá!

 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

EXERCÍCIO DE XADREZ #7

 

Vamos a mais um exercício de xadrez, para testar a capacidade dos nosso(a)s leitore(a)s. A posição do diagrama abaixo ocorreu na partida entre os GMs Vlastimil Hort e Robert Byrne, disputada na Olimpíada de Varna (1962). As brancas têm uma típica posição de ataque sobre a coluna aberta "h", mas não é simples encontrar um arremate, já que o cavalo em f6 defende o ponto crítico h7. Você é capaz de encontrar o procedimento ganhador para as brancas? Posso garantir que não é tão fácil como parece à primeira vista... no domingo trarei a solução do exercício, até lá!

 

Hort vs. Byrne (1962) - As brancas jogam e ganham
 

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

TORNEIO DE ESPERANÇA - COMUNICADO

 

Prezado(a)s amigo(a)s enxadristas, o Diretor do Torneio de Esperança, Joaquim Virgolino Filho, vem comunicar a todos a impossibilidade de realizar o referido torneio na última data aprazada (dias 29 e 30 de agosto de 2020). Conforme foi noticiado aqui no blog, o torneio de Esperança, que tradicionalmente vem sendo realizado todos os anos no final de abril, neste ano de 2020 teve de ser adiado em razão da pandemia de Covid-19 e das restrições impostas por ela. Inicialmente a competição foi adiada para julho e depois para o final de agosto, fato que demonstra o comprometimento da Direção em promovê-la o mais brevemente possível; no entanto, o cenário de distanciamento social imposto pela pandemia permanece em vigor em muitas cidades brasileiras, inclusive Esperança-PB. Assim, para não ter que anunciar uma nova data que eventualmente poderá não ser cumprida, o organizador Joaquim decidiu adiar o torneio "por tempo indeterminado", e vem informar que, tão logo surja uma data propícia para a realização do torneio, irá divulgá-la. A expectativa de Joaquim é que o torneio ocorra ainda este ano, e de minha parte ficarei torcendo para que essa previsão se concretize. Quanto aos jogadores que fizeram suas inscrições no Torneio de Esperança, Joaquim informa que os interessados em receber de volta o valor da inscrição devem entrar em contato com ele, por meio de e-mail ou telefone:

Joaquim Virgolino Filho

E-mail: rjfischer64@gmail.com

Telefone: (83) 9 9961-9166 (whatsapp).    

  

Obrigado pela atenção! 

 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

GALERIA DOS CAMPEÕES MUNDIAIS DE XADREZ - FISCHER

 

Dando sequência a nossa série de postagens sobre os campeões mundiais de xadrez, hoje iremos falar sobre o 11º campeão do mundo, aquele que é considerado por muitos especialistas como o mais genial enxadrista de todos os tempos: a lenda, o mito, o fenômeno Robert (Bobby) James Fischer

 

ROBERT JAMES FISCHER

 

Robert James Fischer, mais conhecido como "Bobby" Fischer, nasceu na cidade de Chicago (EUA), no dia 09 de março de 1943. Possuía ascendência alemã por parte do pai e suíça por parte da mãe. Aprendeu xadrez aos seis anos, com sua irmã Joan. A partir do momento em que conheceu o jogo, foi completamente absorvido por ele, a ponto de ficar obcecado pelo xadrez. Como todo prodígio, o garoto fez rápidos progressos. Aos 13 anos, em 1956, derrotou o MI Donald Byrne em uma partida brilhante, na qual deu mostras do seu extraordinário talento, e que ficou conhecida como "O jogo do século" (veja essa partida aqui). Em 1957, aos 14 anos, o adolescente residente no bairro do Brooklyn, em Nova Iorque, surpreendeu a todos vencendo o Campeonato Absoluto dos Estados Unidos, à frente do famoso GM Samuel Reshevsky, um dos melhores jogadores do mundo. Esse torneio fazia parte do ciclo do Campeonato Mundial, de modo que, ao vencê-lo, Bobby se classificou para jogar o Interzonal de Portoroz (Ioguslávia), o mais jovem jogador da história a conseguir essa façanha. Nesse Interzonal, Fischer finalizou em 6º lugar, conquistando o título de Grande Mestre, e, ao mesmo tempo, uma vaga para o Torneio de Candidatos. Na época (1958), Bobby tornou-se o mais jovem enxadrista da história a obter o título de GM, aos 15 anos de idade.  

 


No Torneio de Candidatos de 1959, disputado também na Ioguslávia, o jovem de 16 anos teria de enfrentar os jogadores da elite mundial, com exceção, é claro, do campeão do mundo, Botvinnik. Cada um dos 8 participantes deveria jogar quatro partidas contra os demais competidores, e nessa duríssima prova Fischer se portou dignamente. Embora ainda fosse muito jovem para vencer o torneio, ele se defendeu muito bem contra os melhores do mundo, terminando a competição em 5º lugar ex-aequo, juntamente com Gligoric. O campeão foi Mikhail Tal, que no ano seguinte arrebataria a coroa de Botvinnik. Enquanto no cenário internacional o jovem Fischer ainda não era capaz de sobrepujar a temível falange soviética, nos Estados Unidos sua supremacia era absoluta. Ele venceu o campeonato nacional oito vezes, em suas oito participações: 1957, 1958, 1959, 1960, 1962, 1963, 1965 e 1966. Em um desses torneios, o de 1963, Fischer foi campeão com 100% de aproveitamento (11 vitórias em 11 jogos!), um recorde impressionante. Depois de sua quarta vitória consecutiva nessa competição, foi realizado um encontro entre ele e Samuel Reshevsky, que se celebrou em 1961. O match havia sido programado para ter 12 jogos; no entanto, só foram disputadas 11 partidas, porque os adversários não chegaram a um acordo sobre o horário da partida final. Assim, o match Fischer vs. Reshevsky foi interrompido com a contagem empatada em 5,5 x 5,5 (duas vitórias para cada lado e sete empates), um resultado que, ao que parece, foi conveniente para ambas as partes. Em 1962, Fischer ratificou sua condição de membro da elite mundial ao vencer o Interzonal de Estocolmo, com 2,5 pontos à frente dos concorrentes mais próximos, os soviéticos Geller e Petrosian. Contudo, na etapa seguinte do ciclo do Campeonato Mundial, o Torneio de Candidatos de Curaçao, Bobby finalizou apenas em 4º lugar, distante dos melhores colocados, os soviéticos Petrosian, Geller e Keres. Esse fato deu origem a uma grande polêmica, pois Fischer acusou os "russos" (termo que ele usava para designar genericamente todos os soviéticos) de terem tramado um pacto contra ele, o que de fato se verificou. Acontece que os três soviéticos acima mencionados combinaram uma ardilosa estratégia para tentar conter o jovem prodígio norte-americano: eles economizavam suas forças, empatando rapidamente entre si, e concentravam seus esforços na tentativa de derrotar Fischer, que era obrigado a dar tudo de si nos seus enfrentamentos contra os perigosos adversários. Ao final da competição, Fischer protestou contra o que ele considerava ser uma trapaça, e criticou a fórmula de disputa do Torneio de Candidatos, negando-se a jogar novamente sob tais condições. Suas críticas foram divulgadas em várias publicações de xadrez ao redor do mundo, e surtiram o efeito desejado, porque a FIDE, acatando as reclamações, resolveu alterar as regras de disputa do ciclo seguinte, substituindo os torneios de pontos corridos por matches eliminatórios.
 
 
 


Em 1967, Fischer envolveu-se em mais uma polêmica: ao jogar o Interzonal de Sousse, na Tunísia, ele liderava a competição com ampla vantagem, porém entrou em conflito com os organizadores, por não concordar com as condições de disputa das partidas adiadas, e abandonou o torneio. Com a desistência de Fischer, o GM Bent Larsen ganhou o Interzonal, enquanto Fischer deu início a um período de cerca dois anos e meio de quase total inatividade. Depois desse período de ausência, seu retorno à arena internacional foi avassaladora: em março de 1970, ele integrou a equipe "Do Resto do Mundo", que enfrentou a equipe da União Soviética no primeiro "Match do Século". Jogando no tabuleiro n.º 2, Fischer derrotou o ex-campeão mundial Petrosian pelo placar de 3 x 1 (+2 =2). Depois, no final do mesmo ano, ele demonstrou grande superioridade sobre seus adversários no Interzonal de Palma de Mallorca, torneio que venceu com 3,5 pontos adiante do segundo colocado, Bent Larsen. A etapa seguinte rumo à conquista do título mundial foi a participação no Torneio de Candidatos de 1971. Seu primeiro encontro nessa competição teve lugar em Vancouver (Canadá), contra o GM soviético Mark Taimanov. Eles jogaram um match programado para 10 partidas, e o russo até conseguiu construir boas posições, porém não pôde resistir muito tempo aos recursos de seu adversário, e sucumbiu por 6 x 0, com o que o match foi finalizado antecipadamente. Seu oponente seguinte foi o dinamarquês Bent Larsen, que havia sido o único jogador a vencer Fischer em um Interzonal (em Sousse, 1967), e que por isso estava otimista. No entanto, apesar de fazer partidas equilibradas, ele também perdeu pela incrível contagem de 6 x 0, assim como Taimanov, resultado que causou assombro à comunidade enxadrística internacional. Até o circunspecto Botvinnik declarou que, se as coisas continuassem assim, teria que reconhecer que Fischer era uma espécie de gênio do xadrez (como se ele não fosse exatamente isso!). Na final do Torneio de Candidatos, foi a vez de Fischer massacrar o ex-campeão do mundo, Petrosian, pelo placar de 6,5 x 2,5 (+5 -1 =3), e com isso qualificou-se para jogar contra Spassky pela coroa. Finalmente havia chegado a oportunidade que Fischer havia esperado por quase toda a sua vida: havia chegado o momento de ele disputar o título de campeão mundial de xadrez! 

 

 

O encontro pelo título máximo teve lugar na capital da Islândia, Reykjavik, e foi certamente o mais conturbado da história. Desde o início das negociações para a realização do match, Fischer criou muitas dificuldades aos organizadores, graças à sua postura intransigente e suas exigências excessivas, algumas nada razoáveis. Primeiro recusou-se a jogar na Islândia, alegando que desejava jogar em Belgrado (Iugoslávia) ou no continente americano. Depois, fez reclamações relativas ao fundo de prêmios, exigindo que a premiação de R$ 125.000 dólares (sem precedentes até então!) fosse aumentada. Felizmente, o então Presidente da FIDE, Max Euwe, demonstrou firmeza e exerceu sua autoridade, escolhendo a Islândia para sediar o encontro e determinando que o Campeonato Mundial deveria começar no dia 02 de julho de 1972. Além disso, ele ameaçou desclassificar Fischer caso ele não comparecesse para jogar o match. Em plena Guerra Fria, o mundo do xadrez e o público em geral acompanhavam com grande ansiedade os preparativos para o duelo histórico entre o russo Spassky e o norte-americano Fischer, mas ninguém sabia se Bobby iria jogar. Em 02 de julho, a data marcada para o início, os envolvidos estavam prontos e aguardavam a chegada de Fischer, que não apareceu. Na cerimônia de abertura, estavam presentes o Presidente da Islândia, o Presidente da FIDE, ministros, embaixadores, o árbitro Lothar Schmid, jornalistas, Spassky e seus ajudantes, enfim, todos - menos Fischer. Para não ter que desclassificá-lo, Euwe habilmente negociou com a delegação soviética um adiamento, dando um ultimato a Fischer e exigindo que ele se apresentasse para jogar até o meio-dia de 04 de julho. Ele conseguiu cumprir o prazo por pouco, e quando desembarcou no aeroporto de Reykjavik, uma multidão de fãs e autoridades islandesas esperava para recebê-lo, mas Bobby ignorou a multidão e rapidamente entrou no carro oficial, que o conduziu até o hotel. Somente uma semana depois da sua chegada, no dia 11 de julho de 1972, finalmente os oponentes se sentaram diante do tabuleiro para o início da épica batalha que estava por vir!

 

Spassky vs. Fischer - Match de 1972
 

Quando o match teve início, o primeiro jogo terminou com vitória de Spassky, após um erro incompreensível de Fischer: num final de bispos e peões completamente igualado, ele tomou o peão de h2 com seu bispo, permitindo na sequência que o bispo fosse cercado e capturado. Para piorar sua situação, ele fez exigências descabidas aos organizadores, e, como não foi atendido, não compareceu para jogar a segunda partida, perdendo por W.O. O futuro do campeonato estava ameaçado, e todos temiam, inclusive o próprio Spassky, que Fischer abandonasse a competição. Foi muito complicado convencê-lo a voltar ao tabuleiro, mas o match prosseguiu, e nas oito partidas seguintes, Fischer venceu cinco e empatou três, ultrapassando o campeão mundial no placar. Depois disso vieram mais 11 partidas, nas quais Spassky realizou intensos esforços na tentativa de conter o bom momento de Fischer, todavia não teve sucesso... o desafiante assumiu magistralmente o controle das ações, e depois de perder a 11ª partida, ganhou a 13ª e a 21ª, vencendo o confronto por 12,5 x 8,5 (+7 -3 =11) e proclamando-se o novo campeão mundial. Como já dissemos em outras ocasiões, esse encontro entre os dois grandes campeões se revestiu de enorme importância histórica, uma vez que simbolizava o embate entre a União Soviética comunista, possuidora do título mundial desde o período pós-guerra, e os Estados Unidos capitalista: com a conquista do título, Bobby se transformaria em um herói no Ocidente! Depois desse feito extraordinário, alguns opinavam que Fischer seguiria sendo invencível até o ano 2000, mas, do mesmo modo que seu compatriota Morphy no século XIX, ele abandonaria a cena no auge da glória: após subir ao trono do xadrez, ele não jogou mais nenhum torneio, passando a viver recluso e a apresentar sintomas de distúrbios mentais. Como se isso não bastasse, ele se recusou a defender seu título frente ao desafiante Anatoly Karpov, que foi coroado campeão mundial em 1975, sem precisar enfrentar o seu antecessor, um caso único na história do xadrez. A abdicação de Fischer causou uma profunda decepção aos seus admiradores espalhados ao redor do mundo. Somente em 1992, para surpresa de todos, ele quebraria o isolamento voluntário para disputar um segundo match contra seu velho rival Spassky. Essa experiência recorda os decepcionantes "remakes" do cinema: mais uma vez Fischer se impôs a Spassky, que já não pertencia à elite mundial, contudo ficou evidente que ele já não tinha nível suficiente para lutar contra os melhores Grandes Mestres. Depois dessa tentativa de retorno aos tabuleiros, ele novamente desapareceu, mergulhando nas sombras da obscuridade.

 

Spassky vs. Fischer - Match de 1992
 

Fischer foi sem dúvida um dos maiores gênios da história do xadrez. Como jogador, foi excepcionalmente talentoso e merecedor de toda a nossa admiração, mas, como ser humano, era uma pessoa difícil e problemática. Costumava ser intransigente e protestar contra qualquer fator que ele julgasse incômodo ou insatisfatório nos torneios: ruído excessivo, iluminação deficiente, premiações modestas, dentre outros. A humildade definitivamente não era uma de suas virtudes, e muitas vezes ele recebeu críticas por causa de atitudes arrogantes e até mesmo desrespeitosas para com seus colegas de profissão, árbitros e organizadores, além de ter mantido relações conflituosas com alguns periodistas. Sua personalidade difícil alimentou muitas rixas e intrigas, contribuindo para reforçar sua impopularidade. Outro fato digno de nota é que Fischer sempre teve uma postura ambígua com relação a suas origens judias (ele era judeu por parte de mãe), chegando a protagonizar manifestações de antissemitismo. Quanto ao seu estilo de jogo, o gênio norte-americano combinava o talento natural de Capablanca com a capacidade de trabalho de Alekhine. Seu estilo era direto e objetivo, um "xadrez clássico simples", na definição de seu colega Robert Byrne. Valorizava a força do par de bispos, e sua grande perícia técnica lhe permitia conseguir pequenas vantagens a partir de posições simples. Dominava seus rivais em todos os terrenos, inclusive no campo psicológico, e jogava quase sempre para ganhar, desprezando os empates rápidos. Sua única debilidade, segundo Spassky, residia em uma relativa dificuldade para captar o momento crucial da partida. Seu repertório de aberturas era mais reduzido do que o dos demais Grandes Mestres da elite, mas ele o conhecia perfeitamente bem. De brancas, costumava jogar 1. e4 quase que invariavelmente ("comprovadamente o melhor", como ele mesmo declarara), embora também tenha aberto o jogo com 1. Cf3, c4 ou b3 em algumas ocasiões. Com as negras, usava exclusivamente a Variante Najdorf da Siciliana contra a abertura do peão do rei, que ele manejava com maestria, e contra o lance 1. d4 suas réplicas preferidas eram a Defesa Índia do Rei e a Defesa Grünfeld. Apesar de ser um jogador moderno, Fischer se inspirava nos pioneiros do xadrez e nos mestres do século XIX, utilizando nas aberturas ideias de Steinitz, Charousek, Staunton e outras celebridades enxadrísticas do passado. Nos seus últimos anos de vida, impossibilitado de voltar aos Estados Unidos em razão de problemas com a justiça daquele país, passou a viver na Islândia, onde obteve a cidadania. Bobby Fischer faleceu em 17 de janeiro de 2008, aos 64 anos, por coincidência o mesmo número de casas do tabuleiro de xadrez.

E agora, como temos feito até aqui com todos os homenageados da série Galeria dos Campeões Mundiais de Xadrez, vamos exibir o vídeo de uma grandiosa partida de Bobby Fischer, disputada no Interzonal de Palma de Mallorca (1970), em que ele, empregando uma abertura irregular (1. b3), consegue obter uma vitória técnica contra o mais forte enxadrista brasileiro de todos os tempos, o GM Henrique Mecking.