"Em uma noite gélida, no início dos anos oitenta, em Budapeste, capital da Hungria, um forte Mestre Internacional estudava um final de partida com sua aluna Susan. Apesar de promissores jogadores, nem a jovem nem o Mestre conseguiam encontrar a solução para o problema apresentado no tabuleiro de xadrez.
Ressabiada, depois de fracassadas tentativas, a aluna resolveu pedir ajuda à sua irmã mais nova, que dormia no quarto ao lado da sala de treinamento. Cambaleante, a jovenzinha saiu da cama segurando ainda seu urso de pelúcia, limpou os olhos para acostumar-se com a luz e equilibrou-se em pé na cadeira para poder enxergar a posição das peças.
Alguns instantes depois, ainda agarrada ao ursinho que trouxera da cama e nitidamente preguiçosa e com sono, a garotinha disse com uma voz fina, que quase sumia: “Por que vocês não movem o Bispo para cá, Susan?”. O lance era brilhante e resolvia de imediato o problema o qual os dois enxadristas gastaram horas tentando solucionar. Sem se dar conta da proeza que acabara de fazer, a garotinha virou-se para a irmã e apenas perguntou se podia voltar a dormir.
A história acima ocorreu de fato na casa de Judit Polgár, a melhor jogadora de xadrez de todos os tempos. Mas, naquela época, Judit ainda não treinava com Susan e Sofia, suas irmãs mais velhas, por isso dormia enquanto elas praticavam. Por ser a mais nova das três, Judit havia sido separada das aulas por determinação de seu pai, Lásló Polgár, um proeminente pedagogo húngaro.
A “separação” só serviu, no entanto, para deixá-la ainda mais curiosa sobre aquele jogo, embora não naquela noite em que ela foi acordada.
Demorou pouco tempo até que todos na família Polgár percebessem que estavam diante de um gênio. “Os gênios não nascem, se fazem”, proclamava seu pai, após cunhar sua tese de que crianças poderiam fazer realizações excepcionais se fossem formadas em idade precoce, o que o levou a entrar em conflito com as autoridades escolares húngaras, que exigiam que as irmãs Polgár tivessem aulas no colégio convencional e não em casa com o pai.
A garotinha sempre foi amável e introspectiva, mas muito brincalhona. Certa vez, ao ouvir de um famoso chef de cozinha que visitara sua casa (a culinária era outra das paixões da família Polgár) que “você é boa no xadrez, Judit, mas eu sou um ótimo cozinheiro”, a enxadrista teria respondido a ele, com aquele ar de criança inteligente que adora ser desafiada: “Você cozinha sem olhar para o fogão? Eu jogo sem olhar o tabuleiro!”.
FONTE: Texto publicado na página "Xadrez para todos", no Facebook.
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