sexta-feira, 24 de abril de 2020

A COROAÇÃO DE KARPOV


No dia 24 de abril de 1975, há exatos 45 anos, na cidade de Moscou, foi celebrada a cerimônia de coroação de Anatoly Karpov. Em um episódio único na história da disputa dos campeonatos mundiais, Karpov conquistou a coroa sem jogar nenhuma partida, já que o seu adversário, Bobby Fischer, recusou-se a defender o título máximo do xadrez mundial por discordar das condições de disputa. Diante da recusa de Fischer em jogar, o então Presidente da FIDE, Max Euwe, proclamou Karpov o 12º Campeão Mundial da história, cingindo-o com a tradicional coroa de louros que simboliza a vitória.


Karpov sendo coroado por Euwe o novo Campeão Mundial


Até hoje não se sabe ao certo quais os motivos que levaram Fischer a desistir de jogar o match contra Karpov. Muitos autores e analistas de xadrez levantaram hipóteses sobre o assunto, tentando encontrar explicações para justificar o fato. Um deles, Garry Kasparov, apresenta algumas interessantes reflexões, no quinto volume da sua magnífica obra Meus Grandes Predecessores:

"Qual terá sido o problema chave de Fischer? Segundo meu ponto de vista, o que aconteceu foi que, trabalhando sempre sozinho, acabou pura e simplesmente não conseguindo se adaptar às novas exigências de preparação, ditadas pela revolução de aberturas. A complexidade dos problemas que surgiam, exigia outros métodos de trabalho, outra maneira de pensar e - o que era de suma importância - a presença de adversários. [...]
É bem provável que Fischer, com seu apurado faro do xadrez, [...] tenha percebido claramente que uma nova era tinha começado, a qual exigia o abandono de seu método costumeiro de trabalho. Ele podia ver com os próprios olhos os frutos da revolução que ele mesmo tinha gerado, e reconhecia muito bem que não era mais possível preparar-se sozinho. [...] Ele compreendeu bem que já tinham ocorrido grandes mudanças qualitativas; entendeu que tinha deixado um tipo de xadrez e partiria para outro, e que para entrar na nova realidade exigia-se um incrível esforço supremo.
Ele sabia que teria que jogar com o líder de uma geração que tinha crescido na onda da revolução de aberturas e que tinha introduzido essas mudanças qualitativas no xadrez; sabia que iria encontrar pela frente um competidor de sangue frio, que não só assimilara a lição de seus matches com Polugaevsky, Spassky e Kortchnoi, mas que, além de usar as análises dos importantes Grandes Mestres soviéticos, devia mostrar também sua extraordinária habilidade de absorver instantaneamente, digerir e pôr em prática com sucesso as novas ideias estratégicas.
Observando o ciclo de qualificação, ele percebeu que Karpov se tornaria decididamente forte na primeira parte da maratona. E assim Bobby, dada sua conhecida instabilidade psicológica, muito provavelmente começou a ter muito medo de um fracasso inicial. No entanto, estes medos também estavam em grande parte na qualidade da preparação da abertura. Fischer sentia que, numa disputa com Karpov, sua preparação podia não atender às demandas do momento. Vítima de numerosos complexos, acabou num círculo vicioso; quando alguém teme que não vai conseguir se preparar como deve, o medo aumenta ainda mais...
Em resumo, Fischer não tinha mesmo condições de enfrentar a nova situação, inclusive porque tinha parado de jogar durante muito tempo. Na era de Botvinnik, era possível ficar sem jogar por três anos e mesmo assim manter o título de Campeão Mundial. Mas agora, na época da revolução de aberturas, três anos valiam uma eternidade."


Como podemos perceber das passagens acima transcritas, Kasparov recorre à velha teoria de que Fischer se recusou a jogar contra Karpov por medo de ser derrotado, justificativa que, à primeira vista, é realmente a que mais faz sentido. No entanto, acredito que ninguém pode ter certeza acerca dos reais motivos da abdicação de Fischer, e tudo o que for escrito a esse respeito não passa de mera especulação. O fato é que, depois de se tornar Campeão Mundial sem jogar um match, Karpov se lançou em uma maratona de torneios, para provar a todos e a ele mesmo que não havia nenhum jogador no mundo à sua altura. O resultado é que Karpov se manteve uma década inteira como o indiscutível n.º 1 do ranking mundial (1975-1985), e mais uma década entre os membros da elite internacional, ficando conhecido como o enxadrista que ganhou o maior número de torneios na história do xadrez!

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