Dando continuidade à nossa série de postagens sobre os campeões mundiais de xadrez, chegou a hora de apresentar aos leitores um pouco sobre a vida e a carreira do quarto campeão do mundo, o russo naturalizado francês Alexander Alekhine, um enxadrista cujo nome evoca um jogo brilhante e dinâmico entre os aficionados da Arte de Caíssa.
ALEXANDER ALEKHINE
Alexander Alexandrovich Alekhine nasceu em Moscou, capital da Rússia, em 1º de novembro de 1892, em uma família abastada. Aprendeu a jogar xadrez aos sete anos, com sua mãe. Aos nove anos de idade, começou a jogar xadrez às cegas. Aos 16 anos, em 1909, alcançou seu primeiro êxito competitivo ao vencer um torneio russo, conquistando nessa ocasião o título de mestre. Em 1914 foi reconhecido como Grande Mestre, ao se classificar em 3º lugar no torneio internacional de São Petersburgo, atrás do então campeão mundial Lasker e do futuro campeão mundial Capablanca. Chegou a ser preso quando irrompeu a I Guerra Mundial, e, pouco tempo depois da fatídica Revolução Russa de 1917, abandonou sua terra natal e emigrou para a França, onde conseguiu a cidadania francesa, passando a representar aquele país em competições nacionais e internacionais. Segundo algumas fontes, na França Alekhine obteve o grau de doutor em Leis (Direito) pela Universidade de Sorbonne, embora outras fontes contestem esse acontecimento.
O jovem Alekhine |
Ao longo da década de 1920, a força de Alekhine foi aumentando progressivamente, e ele venceu torneios importantes, como Hastings (1922), Carlsbad (1923) e Baden-Baden (1925). Sentindo-se cada vez mais confiante, ele lançou mais um desafio a Capablanca pela disputa da coroa; Alekhine já havia desafiado o campeão outras duas vezes, mas este recusara-se a aceitar. Como explicamos na publicação sobre Emanuel Lasker, nessa época a FIDE ainda não organizava os matches válidos pelo campeonato mundial, de modo que o campeão mundial é que ditava as regras para colocar seu título em jogo. Uma vez em posse do título mundial, Capablanca havia idealizado e divulgado em 1922 um conjunto de regras que ficou conhecido como "Regras de Londres", segundo as quais só poderia lançar um desafio ao campeão o desafiante que conseguisse reunir um fundo de 10.000 dólares em ouro (o equivalente a 18.000 dólares em papel moeda), uma quantia altíssima e impossível de ser obtida sem a ajuda de patrocinadores. Dois possíveis aspirantes ao título mundial, Rubinstein e Nimzovitsch, não puderam desafiar Capablanca por não terem conseguido cumprir as exigências financeiras para a realização do match. Já Alekhine teve mais sorte, pois em 1926, ao fazer uma turnê pela Argentina, conseguiu a promessa do governo argentino de financiar o seu match contra Capablanca. O esperado encontro entre esses dois gigantes do tabuleiro ocorreu em Buenos Aires, no período de 16 de setembro a 29 de novembro de 1927. De acordo com as "Regras de Londres", seria declarado vencedor do match o primeiro que ganhasse 6 partidas, e em caso de empate por 5-5, o campeão conservaria o título. Os sucessos recentes de Capablanca em torneios e o fato de ele nunca ter perdido para Alekhine (havia vencido três partidas contra o russo, e empatado várias outras), faziam do cubano o incontestável favorito. Antes do confronto, Alekhine emitiu a seguinte declaração: "Não posso imaginar como poderei ganhar seis partidas a Capablanca. Claro que tampouco não posso imaginar como ele as ganhará a mim".
Alekhine vs. Capablanca - Campeonato Mundial de 1927 |
A primeira partida foi concluída de forma sensacional: Capablanca deixou passar um ataque tático, perdeu um peão, e depois de uma tenaz resistência, foi derrotado. O campeão assumiu a iniciativa, e nas nove partidas seguintes venceu duas, com sete empates. No entanto, sua alegria durou pouco, pois o 11º e o 12º jogos foram vencidos por Alekhine, que virou o placar a seu favor: 3-2. Depois disso veio uma sequência recorde de oito empates (marca só superada 57 anos mais tarde, no primeiro match entre Karpov e Kasparov), resultado que refletia a estratégia usada pelo desafiante para vencer o encontro: ele pretendia manter Capablanca pressionado pelo marcador adverso, para com isso minar sua resistência, estratégia que de fato surtiu o efeito desejado. Alekhine venceu brilhantemente com as negras a 21ª partida, aumentando sua vantagem para 4-2. Vieram então mais sete empates, até que Capablanca conseguiu ganhar a 29ª partida, reduzindo a diferença no placar para 4-3. A tensão do match alcançou seu ponto culminante, e os aficionados de várias partes do mundo ouviam com interesse as notícias vindas de Buenos Aires, que eram transmitidas pelo rádio. Para os que estavam acompanhando a disputa mais de perto, estava claro que Alekhine vinha aumentando a pressão em busca das duas vitórias que lhe separavam do tão cobiçado título mundial, ao passo que a resistência de Capablanca ia se enfraquecendo. Por fim, ao vencer a 32ª e 34ª partidas, Alekhine ganhou também o match (+6 -3 =25) e se converteu no quarto campeão do mundo de xadrez. Uma curiosidade sobre esse confronto: das 34 partidas disputadas, em 32 delas (com exceção do jogo n.º 1 e n.º 3) foi jogada a mesma abertura, o Gambito da Dama Recusado.
Alekhine atingiu o auge de suas forças no início da década de 1930, exibindo um jogo brilhante nos torneios de San Remo (1930) e Bled (1931), vencendo este último com 5,5 pontos (!!) à frente do 2º colocado, Bogoljubow, um recorde em competições de elite. Apesar dos seus sucessos competitivos, comportou-se de maneira vergonhosa como campeão mundial, ao evitar a todo custo disputar um match revanche contra o seu mais perigoso adversário, Capablanca. Além disso, foi duramente criticado por colaborar com os nazistas durante a II Guerra Mundial, chegando a escrever um artigo em que depreciava o tipo de xadrez jogado pelos judeus. Posteriormente tentou se justificar, alegando que fora forçado a escrever aquele texto, mas suas desculpas não foram suficientemente convincentes. Alekhine defendeu a coroa com sucesso duas vezes contra o russo naturalizado alemão Efim Bogoljubow, em 1929 e 1934, mas, para surpresa geral, perdeu o título mundial para o holandês Max Euwe, em 1935, por uma contagem mínima: 15,5 x 14,5. Nessa época, Alekhine estava tendo problemas com o abuso de bebida alcoólica, fator apontado por muitos como sendo o motivo de sua derrota. Em 1937 reconquistou o título, vencendo Euwe em um rematch, pela contagem de 15,5 x 9,5, permanecendo como campeão do mundo até sua morte, ocorrida no dia 23 de março de 1946. Foi o único enxadrista da história a falecer na condição de campeão mundial. (Leia matéria sobre a morte de Alekhine clicando aqui).
Alekhine é considerado um dos maiores gênios de todos os tempos, e foi talvez o jogador mais completo da história do xadrez. Tinha facilidade para dominar todos os tipos de posição, costumava lutar pela iniciativa desde o início do jogo e apreciava as complicações. Era dotado de uma extraordinária maestria tática e de uma profunda imaginação. Seus brilhantes ataques e combinações serviram para consolidar a faceta artística do xadrez. O próprio Alekhine afirmava que não considerava o xadrez um jogo, e sim uma arte. Além de um grande artista do tabuleiro, Alekhine foi também um excelente comentarista de suas partidas, registrando suas contribuições para a teoria de aberturas e seus conhecimentos de meio-jogo e de finais em vários escritos. Por falar em aberturas, ele popularizou a defesa que leva seu nome, caracterizada pelos lances 1. e4 Cf6. Foi também um especialista no xadrez às cegas, tendo chegado a jogar 32 partidas simultâneas às cegas em Chicago (EUA), com 19 vitórias, 9 empates e 4 derrotas. Além do seu talento inesgotável, Alekhine possuía também uma enorme paixão pelo jogo, uma poderosa força de vontade e uma quase insuperável capacidade de trabalho, elementos que foram decisivos para que ele pudesse destronar o mítico Capablanca.
Para ilustrar a formidável capacidade tática de Alekhine, selecionamos a partida a seguir, jogada em 1925, em que ele derrota Richard Réti com uma das mais belas e profundas combinações de todos os tempos!
Nenhum comentário:
Postar um comentário