domingo, 17 de maio de 2020

A PERFEIÇÃO NÃO TEM ESTILO!


Bobby Fischer foi sem dúvida uma das figuras mais fascinantes e admiráveis da história do xadrez, por vários motivos. Ele combinava um enorme talento, uma memória prodigiosa e uma capacidade de trabalho simplesmente insuperável, combinação que fez de Fischer um dos jogadores mais temidos e elogiados de todos os tempos. O GM soviético Tigran Petrosian, que teve a oportunidade de enfrentá-lo várias vezes durante sua carreira, afirmou em certa ocasião: "As vitórias de Fischer são um mistério para mim". Outro GM soviético, Mark Taimanov, que foi arrasado por Fischer nas quartas-de-final do Torneio de Candidatos de 1971, definiu-o como sendo "um Aquiles sem calcanhar de Aquiles", em alusão ao semideus da mitologia grega que tinha o calcanhar como o único ponto vulnerável do seu corpo.


Bobby Fischer


Mas o elogio mais impactante que eu vi até hoje sobre Fischer foi feito pelo GM argentino Miguel Najdorf, e foi relatado pelo GM Yasser Seirawan no seu excelente livro Duelos de xadrez: minhas partidas com os Campeões Mundiais. Vejamos o que escreve Seirawan:


Quem conheceu “Don” Miguel Nadjorf, o Grande Mestre argentino nascido na Polônia, sabe que ele era um homem de paixões. Veloz para tomar uma decisão em um décimo de segundo, Miguel me contava histórias sobre os campeões por horas a fio. Eu não entendia por que alguém não entrevistava Miguel por algumas horas, pois ele era um ótimo contador de histórias. Eu adorava nossos encontros. Ele tinha inúmeras histórias sobre Bobby, das quais muitas me esqueci, infelizmente. Miguel tinha opinião sobre tudo e, a que segue, discutimos muitas vezes e demoradamente. Estávamos em um restaurante em Buenos Aires jantando nosso “lomo” de costume quando Miguel me disse, “Jasser!” (em espanhol, o “y” muitas vezes é pronunciado como um “j”, e Miguel gostava mais do som de Jasser do que de Yasser; assim, para Miguel – e somente para ele – eu fiquei sendo Jasser), “você sabe que o Bobby não tem estilo.”  [...]
As opiniões de Miguel eram sempre defendidas com vigor e ele se comprazia em me fisgar e me puxar para discussões animadas e emotivas. Ele era um homem apaixonado que amava demais o xadrez. Explicou sua teoria, sobre a qual penso com frequência. Ela dizia o seguinte: “Quando você me mostra uma partida de Capablanca, eu penso, ‘A-ha, Muito legal. Muito suave. Lances lógicos. Jogo bonito. Deve ser uma partida de Capablanca!’ Depois, você me mostra outra partida e eu penso, ‘Meu Deus! Quem é esse bandido jogando com as Brancas? Olhe estes sacrifícios descuidados, ousados. E esse lance calmo, também! Incrível! Perdendo duas peças e ele para para fazer um lance desses. E ele venceu! Mas claro, me dou conta, este é Tal.’ E outra partida. ‘Eu não consigo entender o que o jogador está fazendo. Ele está tomando precauções extraordinárias e seu adversário nem sequer está atacando. Agora ele manobrou suas peças para trás e depois para frente outra vez em boas casas. Ele melhora sua posição mas não fez nada concreto. Meu Deus! O adversário está sufocado e simplesmente morto! Onde estava o erro? É claro, este é Petrosian.’ Veja você, Jasser! Eu reconheço o estilo. Mas quando eu analiso uma partida de Bobby, eu não vejo nada. Não tem estilo. Bobby jogava com perfeição. E a perfeição não tem estilo.”

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