Finalizando a nossa série sobre sacrifícios no xadrez, hoje iremos falar a respeito do duplo sacrifício de torres, que é considerado o mais belo e difícil de todos, e por isso mesmo é também o mais raro. Como eu já havia dito anteriormente, o sacrifício de dama costuma causar grande impacto e deleite aos entusiastas do xadrez, por ser a dama a peça mais forte do jogo. No entanto, o sacrifício do par de torres constitui uma manobra ainda mais impactante, pois, ao contrário de apenas uma, são sacrificadas duas peças, o que torna a execução desse sacrifício bem mais complexa, exigindo do seu autor um cálculo preciso. Além disso, se levarmos em consideração que as duas torres valem mais do que uma dama, estaríamos então diante de um sacrifício mais arriscado, porque a oferta de material é maior.
Deparei-me pela primeira vez com esse espetacular sacrifício ao ler o livro Xadrez Básico, o maior clássico da literatura enxadrística brasileira. No capítulo terceiro, destinado ao estudo dos "Elementos de combinação", o MN Orfeu Gilberto D'Agostini aborda o sacrifício das duas torres, apresentando quatro exemplos para ilustrar o tema, dos quais iremos mostrar apenas um, para não tornar a postagem muito extensa. Ao introduzir o tema, D'Agostini escreve em seu livro:
"Há, em xadrez, uma manobra interessante, que tem por base a entrega de ambas as Torres, com o objetivo de distrair as principais peças do adversário, permitindo ganhar tempo e realizar um ataque decisivo contra o Rei inimigo.
Geralmente, essa manobra se inicia com a entrega do PCD".
Um dos diagramas mostrados no livro de D'Agostini é este que reproduzimos abaixo:
Euwe vs. Réti - Amsterdã (1920) |
A posição do diagrama foi retirada de uma partida jogada entre Max Euwe, à época com 19 anos de idade, e o formidável mestre Richard Réti, que estava no auge de sua força criativa. Tanto é assim que ele nos brindou com essa sensacional combinação, entregando as duas torres a Euwe, a fim de criar uma posição de mate. Como vemos, os dois contendores dão início a um embate feroz, ainda em plena abertura. Obviamente a posição das brancas é superior, pois elas têm vantagem em desenvolvimento e seu rei está mais seguro que o rei das negras, que está exposto. Porém, quando tudo parece perdido, Richard Réti, um autêntico artista do tabuleiro, lança mão da manobra do duplo sacrifício de torres, confundindo seu jovem e inexperiente adversário: 14... Bd6! 15. Dxh8 Dxg5 (Ameaçando agora Bh3, armando o mate e atacando a dama branca com a torre restante) 16. f4 Dh4 (Se as pretas tomam o peão, seguiria Tf1, cravando a dama) 17. Txe4 Bh3! (Entregando a outra torre!) 18. Dxa8 Bc5+ 19. Rh1 (Se 19. Tdd4, segue: 19... Bxd4+ Txd4 20. De1#) 19... Bxg2+ 20. Rxg2 Dg4+ A essa altura, o mestre holandês abandonou, uma vez que há xeque-mate inevitável: 21. Rf1 Df3+ 22. Re1 Df2 mate.
Genial, concordam? Graças a uma fraca defesa por parte de Euwe, certamente desnorteado com o duplo sacrifício das torres, Reti obteve uma brilhante vitória nessa partida (para ver a partida completa, clique aqui: https://www.chessgames.com/perl/chessgame?gid=1041899). Por fim, vale lembrar que, no ano de 2010, o jogador e escritor paulista Luiz Roberto da Costa Júnior lançou um livro sobre esse raro sacrifício, intitulado O sacrifício das duas torres no xadrez, pela editora Ciência Moderna (foto).
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