Dando continuidade à nossa série de publicações sobre os campeões mundiais de xadrez, hoje falaremos a respeito do 10º campeão do mundo, Boris Spassky, que ficou marcado como o russo que perdeu o match mais importante da história do jogo já disputado até hoje: o encontro pelo Campeonato Mundial de 1972, frente ao fenômeno estadunidense Bobby Fischer!
BORIS SPASSKY
Boris Vasilievich Spassky nasceu na cidade russa de Leningrado (atual São Petersburgo), no dia 30 de janeiro de 1937. Aprendeu xadrez aos cinco anos e conseguiu desenvolver seu talento de forma precoce, fazendo rápidos progressos. Em 1953, fez sua estreia em torneios internacionais, em Bucareste, competição em que derrotou o melhor jogador da época, seu compatriota Smyslov. Em 1955, aos 17 anos, sagrou-se campeão mundial juvenil, e nesse mesmo ano tornou-se candidato ao título mundial absoluto. Somente Bobby Fischer conseguiu ser ainda mais precoce do que ele. Após algumas tentativas fracassadas de vencer o Torneio de Candidatos, alcançou esse feito em 1965, ao superar na final de Candidatos o grande Mikhail Tal, qualificando-se para disputar a coroa contra Tigran Petrosian.
O jovem Spassky |
O primeiro confronto contra o armênio Tigran Petrosian aconteceu em 1966, e, na ocasião, o repertório de aberturas de Spassky se revelou insatisfatório para quebrar a resistência de tão formidável oponente. Jogando com as negras, ele empregou o esquema conhecido como "Defesa Hipopótamo", caracterizada pelo duplo fianqueto, cavalos em d7 e e7 e peões na sexta fileira, sólida porém passiva. De brancas, foi incapaz de suplantar a Defesa Caro-Kann, utilizada pelo campeão do mundo. Apesar da sua inegável capacidade, Spassky falhou na sua primeira tentativa de ascender ao trono do xadrez, perdendo o match de 1966 pela apertada contagem de 12,5 x 11,5. No ciclo seguinte do Campeonato Mundial, ele triunfou sobre seus rivais e novamente qualificou-se para enfrentar Petrosian, mas desta vez a batalha teria um desfecho diferente: o desafiante estava melhor preparado, e contava com dois excelentes auxiliares, os Grandes Mestres Nikolai Krogius e Igor Bondarevsky. Neste segundo encontro, realizado entre os meses de abril e junho de 1969, Spassky exibiu um jogo esplêndido, combinando a estratégia posicional com ataques táticos, obtendo assim uma vitória por 12,5 x 10,5 (+6 -4 =13) e convertendo-se no décimo campeão mundial. Mas Spassky, agora detentor do título que tanto orgulhava o regime soviético, não imaginava que iria perdê-lo três anos depois contra o temido representante do Ocidente capitalista, o estadunidense Robert James Fischer.
Petrosian vs. Spassky - Campeonato Mundial de 1969 |
O match de 1972 pelo Campeonato Mundial foi não apenas o mais importante da história do jogo, mas também um dos mais conturbados. Daremos maiores detalhes sobre o desenrolar desse confronto na publicação dedicada a Bobby Fischer. Por ora, vamos indicar a leitura de uma postagem anterior aqui do blog, que explica por que esse match se tornou tão célebre (leia aqui). Apesar de contar com o apoio dos principais Grandes Mestres soviéticos, que a mando das autoridades haviam disponibilizado aos treinadores de Spassky conselhos para tentar derrotar o gênio norte-americano, o campeão mundial sucumbiu diante do seu poderoso adversário. Das 21 partidas disputadas, Spassky venceu três e Fischer sete, registrando-se 11 empates. O russo foi prejudicado pelo excesso de confiança, afinal nunca havia perdido para Fischer antes de 1972. A exemplo do que ocorrera com Capablanca em seu enfrentamento contra Alekhine, Spassky subestimou o adversário e não levou a sério a preparação para o match, tanto no aspecto teórico quanto no aspecto prático. Com isso não queremos dizer que o êxito de Fischer não foi merecido, mas sim que a luta poderia ter sido muito mais acirrada se Spassky tivesse se preparado adequadamente. A
derrota perante o "inimigo" Fischer colocou Spassky em uma situação
difícil. Ele ficou sob suspeita das autoridades do seu país, furiosas
pelo fato de o título mundial de xadrez, que tratavam como se fosse propriedade da
nação soviética, ter passado às mãos de um jogador ocidental. Mikhail
Botvinnik, considerado o Patriarca da Escola Soviética de xadrez, chegou
a acusar Spassky de ter "vendido" o título aos norte-americanos,
afirmação que reflete o clima de paranoia que imperava durante a Guerra
Fria. Apesar da perda do título, Spassky provou que seguia pertencendo à elite, ao vencer o campeonato soviético de 1973,
diante de Karpov, Kortchnoi, Polugaevsky e outras estrelas. No
entanto, não foi capaz de superar Karpov durante o Torneio de Candidatos
de 1974, e desse modo viu-se privado de um novo confronto contra
Fischer. Em 1978, ele emigrou para a França, e lá adquiriu a cidadania
francesa.
No que diz respeito ao seu estilo de jogo, Spassky foi sem dúvida o exemplo mais bem acabado do enxadrista de estilo "universal", pois conseguia jogar igualmente bem todas os tipos de posições, tanto abertas quanto fechadas, tanto táticas quanto posicionais. Dominava todas as fases do jogo e sentia-se confortável tanto atacando quanto defendendo. Ao longo da sua carreira enxadrística, teve a sorte de contar com ótimos treinadores, que o ajudaram a desenvolver suas aptidões, a exemplo de Tolush e Bondarevsky. Spassky chegou a disputar algumas competições integrando a equipe francesa, como as Olimpíadas e o campeonato mundial por equipes. Seu último grande êxito competitivo ocorreu em 1983, em Linares (Espanha), onde foi o vencedor, com meio ponto à frente do então campeão mundial Karpov. Em 1992, jogou um segundo match contra Bobby Fischer, na Ioguslávia. O referido match foi anunciado como sendo uma reedição do Campeonato Mundial, o que, obviamente, soava patético, uma vez que os dois velhos rivais não se encontravam mais em sua melhor forma. Assim como se deu 20 anos antes, o russo foi derrotado novamente. Boris Spassky ficou conhecido pelo seu comportamento cavalheiresco, e é um dos poucos campeões mundiais que não chegou a escrever nenhum livro, havendo publicado somente umas poucas análises. Em 2010, ele sofreu um derrame cerebral que deixou o lado esquerdo do seu corpo paralisado, obrigando-o a viver em uma cadeira de rodas. Atualmente com 83 anos de idade, ele ainda mora na França, e até certo tempo atrás podia ser visto participando de grandes eventos enxadrísticos, como convidado de honra.
Spassky em 2014 |
A partida que exibiremos a seguir foi jogada na etapa de quartas-de-final do Torneio de Candidatos de 1968, e mostra como Spassky, empregando a Siciliana Fechada, consegue demolir, à base de sacrifícios, as defesas do fortíssimo GM russo Efim Geller!
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