domingo, 6 de outubro de 2019

O MITO DE FISCHER COMO UM "GÊNIO SOLITÁRIO"


Na publicação de ontem, da Seção Vale a Pena Conhecer, trouxemos a indicação de um livro excelente, Duelos de xadrez: minhas partidas com os campeões mundiais, escrito pelo GM estadunidense Yasser Seirawan. Neste livro, o autor desfaz um "mito" sobre Bobby Fischer, bastante propagado nos círculos enxadrísticos. Com a palavra, Seirawan:

"O público do xadrez há muito é alimentado com a fábula de que Bobby Fischer desafiou sozinho o rolo compressor do xadrez soviético e, em reverência ao gênio individual, derrotou o sistema esportivo socialista soviético construído durante décadas. Que evocativo. O gênio solitário defendendo o direito contra a força; liberdade individual versus formação sistêmica em camisa de força; Bobby lutando contra todo um aparelho governamental para arrebatar o Campeonato Mundial de Xadrez. Puxa! Visto deste ângulo, um brilhante enredo de cinema. Hollywood não poderia fazer melhor – deve haver um filme aqui em algum lugar. Quero dizer, não é legal isso? Legal, mas nonsense" (SEIRAWAN, Yasser. Duelos de Xadrez: minhas partidas com os Campeões Mundiais. Porto Alegre: Penso, 2012. Páginas 143-144).

De fato, os muitos fãs e admiradores de Fischer (entre os quais o próprio Seirawan se inclui) frequentemente recorrem ao argumento de que Bobby teria "derrotado sozinho a Escola Soviética de Xadrez”. Nada mais falso. Aqueles que pesquisam seriamente a história do xadrez sabem que Fischer, mesmo tendo nacionalidade norte-americana, pode ser considerado um pupilo da Escola Soviética, pois estudava, de maneira autodidata, as partidas dos melhores mestres soviéticos, bem como lia avidamente a literatura de xadrez russa, acabando por “sovietizar-se mais do que os próprios soviéticos”, nas palavras de Seirawan. Além disso, Bobby não se qualificou para o Ciclo do Campeonato Mundial porque havia boicotado o Campeonato dos Estados Unidos de 1969, e só pôde jogar o Interzonal de Palma de Mallorca (1970), porque o GM Pal Benko cedeu sua vaga de qualificação para Fischer poder jogar. Como então ele pode ter vencido o Campeonato Mundial “sem ajuda de ninguém”? Com certeza esse é um argumento nonsense, ou seja, absurdo, sem sentido. E antes que alguém possa me interpretar mal (algo muito comum nos dias de hoje, infelizmente), quero deixar claro que o meu intuito, ao postar esse trecho do livro Duelos de xadrez, não foi desmerecer a extraordinária façanha de Fischer em conquistar o Campeonato Mundial, mas apenas dissipar o mito de que ele fez isso "sem ajuda de ninguém". Vejamos o que Seirawan escreve mais adiante em sua obra: 

"A própria sugestão de que Bobby fez o que fez sozinho é um mito criado pela mídia e desvaloriza os imensos esforços das muitas pessoas sem as quais Bobby teria continuado sendo uma possibilidade para o mundo do xadrez. Para colocar a questão sem rodeios: sem ajuda, Bobby não chegou a parte alguma. Ele se retirou do ciclo. A verdade simples é que Bobby às vezes era seu próprio pior inimigo e isso lhe custava muito caro: às vezes ausentava-se, às vezes retirava-se e geralmente sabotava suas próprias campanhas. Foi a assistência de algumas pessoas-chave em momentos decisivos que ajudou a empurrar, convencer e instigar Bobby a encontrar o seu destino. Não se esqueçam do telefonema do Dr. Henry Kissinger que fez Bobby embarcar no avião para a Islândia. Sem ajuda? Por favor!" (Ibidem, p. 145).

Portanto, a conclusão é óbvia: apesar de ter sido um dos maiores enxadristas da história, Bobby Fischer jamais teria chegado ao topo do xadrez sozinho, como muitos gostam de alardear!  


GM Robert James Fischer (1943-2008)
 

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