Os anais da literatura enxadrística assinalam que o 6º campeão mundial, o soviético Mikhail Botvinnik, era um sujeito de personalidade difícil, que mantinha relações conflituosas com vários dos seus colegas enxadristas. Ele era dono de um caráter rancoroso, e por isso não admitia que lhe fizessem brincadeiras ou que o tratassem com pouco-caso. Em meados da década de 1930, ao conseguir se tornar um dos mais fortes jogadores do seu país, ele "caiu nas graças" da cúpula do regime comunista vigente na União Soviética, à época liderada pelo facínora Josef Stalin, o segundo maior genocida da história da humanidade, atrás apenas de outro ditador comunista, o chinês Mao Tsé-Tung. Como já escrevi em outra oportunidade aqui no blog, Botvinnik utilizou, mais de uma vez, o prestígio que conquistara junto às autoridades para prejudicar adversários e obter favorecimento pessoal. Por exemplo, no match-torneio celebrado em 1948, que serviu para determinar quem seria o detentor do título de campeão mundial após a morte de Alekhine, havia três Grandes Mestres soviéticos competindo: Botvinnik, Smyslov e Keres. Todos sabiam que Botvinnik era o favorito do governo soviético para conquistar o tão cobiçado título mundial, e ele mesmo admitiu, em entrevista concedida quase meio século depois do evento, que o próprio Stalin dera ordens para que não apenas Keres mas também Smyslov perdessem para ele. Apesar da sua incontestável força, essa "pequena ajuda" do líder máximo da URSS foi decisiva para que Botvinnik vencesse o match-torneio e consequentemente se tornasse o campeão mundial. Três anos depois, na disputa pelo Campeonato Mundial de 1951, a história se repete, dessa vez com o desafiante David Bronstein, que também foi pressionado pelas autoridades a perder o match contra Botvinnik, como registramos aqui no blog (leia aqui).
Botvinnik teve ajuda do governo para se tornar campeão mundial em 1948 |
Em 1946, no famoso torneio de Gronigen (Holanda), o primeiro grande torneio pós-2ª Guerra, ocorreu um episódio que feriu o ego de Botvinnik, o qual lhe daria motivo para por em prática uma vingança pessoal. Na última rodada do evento, aconteceria o primeiro encontro de Miguel Najdorf e Botvinnik frente ao tabuleiro. Na véspera da partida, Najdorf procurou o segundo de Botvinnik, o GM Salo Flohr, e apostou com ele 500 florins que ganharia a partida. Najdorf não só apostou que venceria Botvinnik, mas declarou que iria "depená-lo como um frango". Como já era de se esperar, a aposta, bem como a declaração ofensiva do GM argentino, chegaram ao conhecimento dos outros participantes do torneio, e, inclusive, de Botvinnik. Quando chegou o momento do jogo, tudo aconteceu exatamente como Najdorf havia previsto, e ele venceu seu oponente em bom estilo (veja a partida aqui). Botvinnik nunca perdoou Najdorf por essa afronta, e dois anos depois da vergonhosa derrota, ele teve a oportunidade de vingar-se: em 1948, a FIDE estava organizando o match-torneio pelo Campeonato Mundial, e, diante da recusa de Reuben Fine em participar da competição, os organizadores cogitaram convidar Najdorf para ocupar a vaga deixada por Fine. Ao saber da pretensão da FIDE, Botvinnik de imediato manifestou uma oposição feroz àquela ideia, e pressionou a Federação Soviética de Xadrez para que a entidade não aceitasse a participação de Najdorf. A Federação Soviética, que a essas alturas já era a mais poderosa do mundo, usou sua influência para convencer a FIDE a não convidar Najdorf para o torneio, e a FIDE cedeu. Com isso, Miguel Najdorf se viu privado da oportunidade de disputar o título mundial de xadrez, e o vingativo Botvinnik teve sua desforra pela derrota sofrida em Groningen.
Najdorf e Botvinnik se enfrentando na Olimpíada de Moscou (1956) |
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