terça-feira, 9 de julho de 2019

KARPOV X KASPAROV: MAIS DO QUE RIVALIDADE


Quando ouvimos falar em rivalidade no xadrez, logo nos vem à mente o caso mais emblemático de todos, que é a rivalidade entre Karpov e Kasparov, dois jogadores extraordinários que têm suas trajetórias de vida interligadas.
Entretanto, alguns relatos encontrados na literatura enxadrística nos fazem chegar à conclusão de que eles não eram apenas grandes rivais, eram também inimigos!
Ao que parece, nos últimos anos a relação entre eles melhorou, mas no passado, quando os dois disputavam com afinco o posto de melhor jogador da União Soviética e consequentemente do mundo, eles simplesmente se odiavam!

O seguinte relato está registrado no excelente livro Duelos de xadrez: minhas partidas com os campeões mundiais, do GM Yasser Seirawan. Vou tentar resumir para vocês o testemunho do autor sobre um episódio envolvendo os dois "Ks":

No ano de 1980, foi disputada a Olimpíada de Xadrez de Malta. Seirawan, que já era Grande Mestre, estava lá jogando pela equipe dos Estados Unidos. Em uma das rodadas, os soviéticos, que estavam sentados próximos dos norte-americanos, jogavam contra a forte equipe da Bulgária. Karpov estava no primeiro tabuleiro da equipe soviética, jogando com o enxadrista E. Ermenkov, ao passo que Kasparov, nessa época com apenas 17 anos de idade, jogava no quarto tabuleiro, contra K. Georgiev.
Seirawan, que já havia levantado para observar as partidas em andamento, notou que Kasparov havia cometido um erro grave entre a abertura e o meio-jogo, e estava em uma péssima posição. Em certo momento, Karpov fez seu lance, levantou-se da mesa, atravessou para o "lado búlgaro" e começou a percorrer os tabuleiros, verificando as partidas. Quando ele chegou ao quarto tabuleiro, parou e começou a rir da difícil situação de Kasparov. O jovem Kasparov ficou furioso, disse rispidamente algo em russo e acenou com a mão para que Karpov se afastasse. Com a palavra, o GM Seirawan: "Foi chocante, falando-se em espírito de equipe. Anatoly entendeu o recado e saiu arrastando os pés para pegar uma xícara de café".
Na sequência, Kasparov fez um lance de maneira brusca, "esmurrou" o relógio, levantou-se e foi olhar a posição do primeiro tabuleiro. Estudou-a por alguns minutos, depois aproximou-se de Ermenkov (o adversário de Karpov) e sussurou algo ao seu ouvido.
Toda essa cena foi presenciada por Seirawan, que logo a seguir, movido pela curiosidade, perguntou a Ermenkov o que Kasparov lhe havia falado. Ermenkov respondeu que Kasparov lhe dissera em russo: "Você está melhor. Em breve Karpov irá oferecer um empate. Não aceite!".  
Por incrível que pareça, Kasparov mostrou estar certo em sua previsão! Alguns lances depois, Karpov de fato propôs empatar a partida, mas o búlgaro Ermenkov não seguiu o conselho de Kasparov e aceitou a oferta de empate. Ao concluir a narração desse episódio inusitado, Seirawan escreve: "[...] devo mencionar que somente um regime comunista totalitário conseguiria manter estes dois homens na mesma equipe".



 
De fato um relato impressionante, que revela não só a inimizade existente entre Karpov e Kasparov naqueles tempos, mas também nos mostra o quanto eles se conheciam profundamente em termos de características de estilo e perfil psicológico. Fantástico!!

OBS.: No seu livro, Seirawan não menciona se Kasparov perdeu a partida contra Georgiev. Pesquisando na internet, consegui descobrir a partida jogada entre ambos em Malta, e constatei que Kasparov não conseguiu evitar a derrota. Aqui vai a partida, a título de informação: http://www.chessgames.com/perl/chessgame?gid=1069878

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