O artigo apresentado a seguir, escrito por mim em 2011 e reformulado alguns anos depois, vem para reacender a eterna polêmica: quem foi o melhor enxadrista da história, Fischer ou Kasparov? Leiam e fiquem à vontade para deixar suas opiniões nos comentários... até breve!
O
maior enxadrista de todos os tempos: quem é ele?
Por Luiz Fábio Alves Jales
Ao longo da história do
enxadrismo mundial, numerosos jogadores surgiram e brilharam em diferentes
épocas, enriquecendo a prática do xadrez magistral com suas magníficas partidas,
vencendo torneios e influenciando gerações de enxadristas ao redor do globo.
Dentre estes jogadores,
apenas alguns poucos conseguiram compor o seleto grupo dos que alcançaram o
título máximo do xadrez - o título de campeão mundial - os quais são lembrados
e reverenciados por todos os amantes da Arte de Caíssa como verdadeiros “reis”
desse nobre esporte.
Qual é o amador que nunca
ouviu falar de José Raul Capablanca, o genial cubano que, por sua enorme
habilidade, foi apelidado de “a máquina de jogar xadrez”, ou de Alexander
Alekhine, seu maior rival, não menos habilidoso, que logrou arrebatar-lhe a
coroa?
Tendo-se em conta a
existência de vários campeões mundiais, representantes máximos do jogo-arte-ciência,
naturalmente sempre houve por parte dos entusiastas do xadrez o desejo de ver
respondida a seguinte pergunta: quem foi o melhor enxadrista de todos os
tempos?
É claro que, como jogador e
leitor assíduo de xadrez, essa questão também me interessa. Por isso,
recentemente decidi pesquisar em livros e sites
especializados em assuntos enxadrísticos, a fim de obter a resposta para a
pergunta acima formulada, de acordo com o ponto de vista dos praticantes e
estudiosos do jogo.
Em minha pesquisa, constatei
que as opiniões estavam divididas entre dois nomes ilustres: Robert (“Bobby”)
Fischer e Garry Kasparov. Afinal de contas, qual deles terá sido o maior
expoente dessa arte até os dias atuais?
Pelo menos para mim não há
nenhuma dúvida. Após anos de leituras da literatura enxadrística disponível em
língua portuguesa e espanhola, estou absolutamente convencido de que o maior
enxadrista da história chama-se Garry Kimovich Kasparov.
Tão certo estou a respeito
disto que o resultado de minha pesquisa, sou forçado a confessar, me
surpreendeu. A mim, me admira que tantas pessoas ditas “entendidas” de xadrez
insistam em atribuir ao excêntrico Grande Mestre estadunidense a honra de
ocupar o posto mais alto no interminável rol de proeminentes enxadristas.
Quem pensa assim certamente
desconhece as façanhas acumuladas por Kasparov durante sua carreira, de modo
que, com o objetivo de a ele fazer justiça, estou disposto a tentar convencer o
leitor da sua superioridade sobre Fischer, realizando uma comparação entre
algumas das conquistas esportivas de ambos os jogadores.
Comecemos comparando os
países onde nasceram esses dois gigantes do xadrez. Bobby Fischer, nascido em
1943, era norte-americano de Chicago, enquanto que Kasparov, 20 anos mais
jovem, nasceu em Baku, capital do Azerbaijão, um país (hoje independente) que
integrava a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Em termos de tradição no
xadrez, a União Soviética era muito superior aos Estados Unidos. Basta recordar
que, no decorrer de sua história, os Estados Unidos tiveram (sem contar os
naturalizados), talvez, cerca de meia dúzia de jogadores brilhantes, que se
distinguiram no cenário internacional, ao passo que a União Soviética produziu
dezenas deles, sendo durante muito tempo, mesmo depois de sua desintegração, o
berço dos mais fortes enxadristas do mundo.
Para se ter uma ideia do que
estou dizendo, examinemos o raking da
Federação Internacional de Xadrez (FIDE), divulgado em janeiro deste ano (2011).
Na relação dos 20 melhores jogadores do mundo, publicada por aquela entidade,
11 deles, isto é, mais da metade, são oriundos de países pertencentes à antiga
União Soviética, enquanto que apenas dois, o 10º e o 19º colocados, Hikaru
Nakamura e Gata Kamsky, respectivamente, apesar de defenderem as cores dos
Estados Unidos, na verdade são naturalizados (o primeiro nasceu no Japão e o
segundo... na Rússia!).
Ora, o que eu quero mostrar
com isso é que, para um jogador de xadrez, seria muito mais difícil se destacar
entre os melhores na União Soviética, como o fez Kasparov, do que nos Estados
Unidos, como ocorreu com Fischer, por causa da maior quantidade de bons
jogadores, o que elevava bastante o nível competitivo nos países soviéticos.
Apesar desse aparente obstáculo, a trajetória de Kasparov rumo ao topo foi meteórica:
aos nove anos já era jogador de primeira categoria (isso na União Soviética,
com seus milhões de praticantes!), e aos dez torna-se candidato a mestre,
título que conquistaria aos 14 anos.
Com essa mesma idade, Bobby
Fischer, ainda na adolescência, ganhou o campeonato nacional de seu país pela
primeira vez, o que a muitos causou espanto e admiração. Kasparov, porém,
disputando um campeonato muito mais acirrado, foi campeão soviético aos 18
anos, recém-saído da adolescência. Além disso, dois anos antes, em 1979, ele
também provocou espanto em seus compatriotas ao vencer o fortíssimo torneio de
Banja Luka, superando quase toda a elite do xadrez mundial de então.
Em relação à formação
intelectual e dos interesses além do tabuleiro quadriculado, Kasparov
igualmente mostra-se superior a Fischer. Este, como se sabe, tinha fama de
aluno preguiçoso e abandonou os estudos aos 16 anos para dedicar-se
inteiramente ao xadrez. Os que com ele conviveram mais de perto são unânimes em
afirmar que ele não levava uma vida normal para um jovem da sua idade, pois não
tinha nenhum outro interesse a não ser o xadrez, chegando a tornar-se obcecado
pelo jogo. Já Kasparov, segundo consta, cursou faculdade e graduou-se em
Letras, o que mostra que concedeu mais importância à sua formação cultural e
intelectual do que o seu colega de profissão, fato que nos revela algo
importante: Kasparov não precisou abrir mão dos estudos e de seus demais
interesses para chegar ao topo, ao contrário de Fischer.
Outro dado que comprova a
supremacia de Kasparov: Fischer, mesmo tendo largado os estudos aos 16 anos
para se entregar de corpo e alma a sua paixão e preparar-se para se tornar
campeão mundial (seu grande objetivo na vida), não teve um caminho fácil até o
título. Somente 13 longos anos depois, em 1972, aos 29 anos, Fischer viu o seu
sonho concretizado; por outro lado, tudo foi mais fácil para Kasparov, que
bateu o recorde de mais jovem jogador a conquistar o campeonato mundial, em
1985, aos 22 anos! Aliás, talvez ele pudesse ter sido proclamado campeão do
mundo um ano antes, se o primeiro match jogado
contra Anatoly Karpov não tivesse sido interrompido pela FIDE.
Além de sagrar-se campeão do
mundo mais cedo do que Fischer, Kasparov colocou destemidamente o seu título em
jogo por três vezes contra Karpov (1986, 1987 e 1990), o único adversário que
poderia derrotá-lo, conservando-o nas três oportunidades. Já Fischer, depois de
ter conquistado o título máximo do xadrez mundial, estando ainda em plena
forma, inexplicavelmente deixou de tomar parte nos torneios e jogos oficiais,
limitando-se a algumas aparições em programas de TV e em competições, na
qualidade de convidado.
Quando chegou o momento de
pôr seu título em jogo contra o desafiante Karpov, Fischer, agindo
covardemente, fez uma série de exigências absurdas a FIDE, as quais ele sabia
que não seriam atendidas, para assim não ter que jogar, entregando de bandeja o
título ao russo. Alguns daqueles que acompanharam as negociações do match entre Fischer e Karpov alegam que,
mesmo se a FIDE tivesse concordado com as regras impostas pelo campeão, ainda
assim o norte-americano não jogaria, e se esquivaria com outra desculpa
qualquer.
E por que ele evitou o
confronto com Karpov? A resposta, a meu ver, é simples: ele temia perder e se
acovardou! Fischer sabia que, se entregasse o título para Karpov sem luta,
conforme aconteceu, sua fama não ficaria tão abalada, pois muitos pensariam que
sua abdicação adviria do fato de não ter tido os seus caprichos atendidos pela
FIDE. As pessoas estavam acostumadas com aquele tipo de atitude, afinal Fischer
já havia abandonado ou se negado a competir em alguns torneios por discordar
das regras e das condições de jogo. Ao contrário, se ele jogasse e perdesse, e
podem apostar que seria esse o resultado, devido ao seu longo período de
inatividade, seu prestígio despencaria e sua reputação de “lenda” do xadrez
seria irremediavelmente manchada!
Ao invés disso, o “Ogro de
Baku”, após tornar-se o campeão mundial mais jovem da história, seguiu jogando
ativamente por duas décadas, durante as quais ocupou de forma indiscutível o
primeiro lugar no ranking
internacional, esmagando seus oponentes e ganhando um torneio atrás do outro,
convertendo-se assim no mais vitorioso enxadrista que já existiu, até
aposentar-se para se dedicar à política.
Não pretendo aqui tirar o
mérito das proezas de Bobby Fischer. Ele era de fato um jogador muito forte, e
sua maior façanha, sem dúvida extraordinária, foi ter quebrado a hegemonia da
máquina soviética de xadrez, algo considerado quase impossível, já que seus
representantes eram vistos como praticamente imbatíveis. É preciso lembrar,
entretanto, que Fischer não foi o único a conseguir esse feito: depois que a
coroa mundial voltou para as mãos dos soviéticos, dois enxadristas de outras
nacionalidades, Anand (da Índia) e Topalov (da Bulgária) também galgaram o
primeiro posto do xadrez mundial.
Como todo amante do xadrez,
eu também admiro a qualidade do jogo de Fischer, portanto minha intenção não é
depreciá-lo, e sim colocá-lo em seu devido lugar, ou seja, abaixo de Kasparov;
afinal de contas, como podemos atribuir o título de maior jogador de todos os
tempos a um enxadrista que se aposentou aos 29 anos de idade, no auge da
juventude? Como atribuí-lo a alguém que, depois de tanto esforço para
conquistar o campeonato mundial, se recusou a defendê-lo quando chegou a hora??
Como atribuí-lo a alguém que, tendo se tornado o campeão mundial de xadrez,
nada fez pelo desenvolvimento desse esporte além de ajudar a popularizá-lo???
Trata-se, realmente, de um contrassenso.
Como se tudo isso não
bastasse, temos ainda um importante detalhe que deve ser levado em
consideração: Kasparov atuou num período em que o xadrez, em razão de sua
constante evolução, encontrava-se em um estágio mais competitivo - e, portanto,
mais difícil - do que na época em que Fischer jogou, graças ao maior número de
competidores de alto nível técnico.
Concluindo, quero dizer que,
por todos os argumentos aqui expostos, acredito que não restam incertezas a
respeito de quem é o melhor jogador de xadrez de todos os tempos. Mesmo assim, caro
leitor, se algum desavisado ainda tiver dúvidas e lhe perguntar o nome desse
jogador, não hesite em responder, em alto e bom som: Garry Kasparov!
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